A imagem de fileiras intermináveis de barris de carvalho, gentilmente alocados em caves escuras é reconfortante para a maioria dos amantes de vinho. Enquanto isso, para os enólogos, este tipo de maturação ou envelhecimento tem muitas implicações históricas e comerciais, que pode influenciar no seu uso e na qualidade do produto final. Isto porque, na prática, sua utilização ao longo da produção dos vinhos pode ser guiada por uma série de fatores.
Primeiramente, no caso de vinhos mais simples, por exemplo, as questões econômicas dificultam (e muito) este processo. Um barril de carvalho francês novo, com capacidade para 225 litros, ou 300 garrafas em média, pode chegar à casa de 380-500 libras, isto sem considerar os altos custos de aquisição no Brasil. “O custo é realmente impactante, ainda mais considerando as recentes altas do euro”, comenta Edegar Scortegagna, enólogo da Luiz Argenta.
Quando novos, os barris colaboram com compostos como a vanilina e os taninos, aumentando a complexidade dos vinhos. À medida que são reutilizados, a quantidade de compostos extraída é reduzida gradualmente e, após cinco ou mais reutilizações, passam a ser utilizados apenas para o estoque dos vinhos, pois permitem uma oxigenação lenta e controlada do produto. Segundo o enólogo Adriano Miolo, “a Miolo faz, em média, de quatro a cinco reutilizações das barricas, sendo posteriormente repassadas para destilarias. Atualmente a empresa possui 62 vinhos diferentes, sendo que 24 destes passam por barrica de carvalho. No total de todos os nossos projetos, possuímos cerca de 1.500 barricas, em sua maioria, usadas”.
Aromas
Outro ponto muito importante a ser considerado é o equilíbrio dos aromas de carvalho e como irão influenciar no buquê do produto final, tarefa reservada à destreza de um enólogo qualificado. Afinal de contas, excesso de carvalho pode conferir notas torradas que vão envolver os aromas frutados de um vinho, resultando em um produto grosseiro. Além disso, o trabalho é ainda mais complexo, pois muitos compostos menos voláteis são extraídos da madeira, como as cumarinas, que são ácidos, e os glicosídios e outros ácidos (como gálico e elágio), amargos, devendo ser minuciosamente dosados ao sabor final do vinho.
Em outras palavras, o barril de carvalho deve ser visto (e utilizado) como uma ferramenta para aumentar a complexidade de um vinho, mas nunca ser utilizado como característica predominante. A confirmação vem da experiência prática de Edegar Scortegagna: “O aroma de carvalho cedido pela barrica é uma consequência, a barrica é usada principalmente para micro-oxigenar os vinhos durante a maturação, por isso é essencial que tenha porosidade muito pequena”.
Além disso, o tempo de contato e a complexidade do carvalho ainda colaboram com a carga de compostos carreada da madeira para o vinho que, adicionados aos compostos naturalmente presentes, ditarão a velocidade das reações de oxidação do produto ao longo do seu armazenamento. A oxidação, por sua vez, produz alterações sensoriais, na cor e sabor do vinho e pode ser controlada pelos inúmeros compostos antioxidantes resultantes da maceração, fermentação ou ainda do contato da madeira com o vinho. Sendo assim, a presença dos barris ao longo de processo de produção dos vinhos vai ainda mais longe, sendo a chave para compreender o efeito dos compostos extraídos no grau e tipo de reações que ocorrem ao longo do seu envelhecimento. “Para os grandes vinhos, as barricas de carvalho são parte fundamental para a complexidade do vinho e para a sua longevidade”, explica Adriano Miolo. A maior parte das substâncias extraídas da madeira do carvalho são novos compostos fenólicos, além dos naturalmente presentes no vinho, juntamente com novos fenóis não-flavonóides, taninos hidrolisáveis e seus compostos derivados.
Taninos
Além destas considerações, importantes distinções devem ser feitas entre a utilização de barricas novas ou velhas, que impactam na quantidade de compostos extraídos pelo vinho durante o tempo de contato. Como é de conhecimento, os taninos são importantes para as propriedades antioxidantes do vinho e estão relacionados com o seu potencial de guarda, mas que, ao mesmo tempo, podem conferir adstringência e amargor ao vinho. Apenas a extração desta classe de compostos chega a ser 5% maior em barricas novas, quando comparada aos barris usados ou tanques de inox.
Tipos de Carvalho
Além disso, os tipos de carvalho comumente utilizados podem impactar na qualidade e características do vinho. Deve-se considerar que sua proveniência pode resultar em produtos completamente diferentes como, por exemplo, no caso dos dois principais tipos de carvalho francês, o carvalho pedunculado (Quercus robur), predominante no distrito de Limousin, e o carvalho séssil (Quercus sessilis), associado à região de Vosges. Como estes dois tipos diferem na composição química, consequentemente, também diferem na quantidade de substâncias que podem ser extraídas, enquanto o primeiro oferece um alto teor de polifenóis e concentrações relativamente baixas de compostos aromáticos, o inverso é extraído do segundo. E aí começa a valer o mais importante: as características visadas no produto final. Enquanto muitas regiões produtoras fazem o uso de carvalho francês, nos Estados Unidos e na Espanha (principalmente na região de Rioja), a espécie predominante é o Quercus alba, que apresenta baixo conteúdo de fenóis, mas um elevado teor de compostos voláteis, em particular de lactonas.
Entenda como a barrica “dá gosto” ao vinho
Seguindo este pensamento, as barricas são usadas como uma ferramenta para a produção de vinhos, sendo que o impacto desta maturação na qualidade e estilo do vinho vai depender de uma grande diversidade de fatores, como o tamanho do barril, tipo e origem da madeira (carvalho ou outra), técnicas utilizadas em sua produção (torrefação e outras), tempo de estoque e até mesmo as condições aos quais são estocados (temperatura, umidade e etc). Desta forma, somando tudo isso, para que um processo tenha sucesso ao empregar os barris de carvalho, seja na fermentação ou na maturação do vinho, cada uma destas variáveis deve ser levada em consideração:
Tamanho do barril: Quanto menor o barril, maior contato com o vinho e, consequentemente, maior a influência do carvalho. Exemplo prático: uma barrica de 225 litros proporciona 15% mais produtos do carvalho ao vinho do que uma de 300 litros.
Tipo e origem da madeira: Como discutido anteriormente, apenas considerando a origem das barricas mais visadas, de carvalho americano e francês, surgem inúmeras variáveis. O carvalho americano tem uma granulação mais grossa que o francês e a madeira geralmente é serrada, enquanto as barricas de carvalho francês são feitas da madeira naturalmente extraída da árvore. Adicionalmente, o carvalho francês depende ainda de qual floresta é proveniente: Allier, Bertagne, Limousin, Nevers, Vosges, etc.
Técnicas utilizadas em sua produção: As técnicas utilizadas para a manufatura de um barril variam de acordo com cada produtor. O grau de torrefação do barril pode ser em maior ou menor escala e, além disso, a madeira utilizada para alimentar o fogo tem um impacto sobre a queima e, consequentemente, também influenciará o vinho armazenado. Na verdade, a composição química final do barril e a extração das substâncias são diretamente influenciadas pelo método adotado durante o tratamento da madeira como, por exemplo, a secagem natural ou por forno. Durante a montagem de um barril, em geral, são necessários dois estágios de aquecimento e no segundo, também conhecido como “tosta pesada”, a temperatura na superfície pode chegar a cerca de 230oC durante cerca de 15 minutos, o que faz a diferença na presença final de compostos voláteis e não-voláteis, suas concentrações e disponibilidade.
Tempo de estoque: De forma geral, quanto maior o período de maturação, mais os produtos derivados da madeira serão absorvidos pelo vinho, maior oxigenação e possível oxidação do produto.
Local e condição de armazenamento dos barris: A maturação em barril deve ser vista como a interação entre o vinho, a madeira e a atmosfera onde os barris são armazenados. Desta forma, esta interação rege um processo importante, onde o vinho que evapora através da madeira é substituído por oxigênio, enquanto os compostos do carvalho são absorvidos pelo vinho. Este processo depende da temperatura e umidade. Nas questões práticas, em uma atmosfera muito quente e seca o volume de vinho que evapora é maior do que em um ambiente frio e úmido e, consequentemente, o volume de álcool que evapora é maior. Ou seja, apenas estas diferenças podem trazer mudanças sutis para um vinho que maturou em um barril estocado em uma adega subterrânea ou em um armazém acima do solo. Vale lembrar que é essencial que os barris sejam mantidos em boas condições de higiene, o que muitas vezes é permitida pela sulfuração que, por sua vez, também pode implicar no sabor do vinho.
Os tratamentos com o carvalho: Como visto, a maturação em barricas novas de carvalho é um processo caro. E não apenas para sua aquisição, mas também para o trabalho extra investido, espaço para as estantes e o tempo de acondicionamento. Desta forma, é bem provável que vinhos mais acessíveis do chamado “Novo Mundo” tenham amadurecido em tonéis que, em muitos casos, são tratados com lascas de carvalho (desperdício da tanoaria) embebidas no vinho. Geralmente, estes vinhos exibem um toque doce e de baunilha extra. Este nível e a sua interação com o vinho dependem da madeira utilizada, qualidade, condição, tamanho das aparas e o tempo de contato.
Ainda que no rótulo conste a informação de que foi maturado, não significa necessariamente que foi realizada apenas em barris. Isto porque, muitos deles, podem ter sido adaptados com a inserção de material (como uma grade de madeira ou de lascas) na parte interna dos barris, para acelerar a interação com o vinho. “O uso da barrica de carvalho é um processo muito delicado, tem que conhecer muito bem o vinho e a barrica. A barrica é utilizada para o envelhecimento do vinho, enquanto o sabor e aroma são consequências. Quem usa apenas para dizer que passou por carvalho ou para dar aroma e gosto, geralmente acaba comprometendo o vinho”, complementa Edegar Scortegagna.
Por tudo isso, podemos ver que a complexidade da tanoaria influencia na complexidade do vinho, pois o trabalho com um bom barril pode ser a chave para um produto interessante. Produzir um vinho simples com os tons do carvalho sutis é uma arte, mas não impossível. A verdade é que os sabores do carvalho têm sido visados por muitos enólogos que buscam alternativas de acelerar este processo sem, no entanto, estarem dispostos a pagar o preço da tradicional maturação em barril.
Com ou sem barril? Eis a questão. A tanoaria evoluiu com o tempo juntamente com a arte de se fazer um bom vinho, visando aumentar sua complexidade, longevidade e dar vida a um produto balanceado e repleto dos melhores sabores e aromas. Afinal, o vinho vem mesmo é das uvas... E é este que merece sair do barril, encher a taça e ser levantado para um longo brinde!
Por Gustavo Molina
Fonte: Revista Adega
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