Ninguém nega: os vinhos do Brasil são os espumantes, caracterizados pela alegria e autenticidade dos brasileiros. Nos arredores do Vale dos Vinhedos, quatro vinícolas, de médio e grande porte, oferecem experiências que imprimem a autenticidade do produto.
A caminho de Faria Lemos, a Dal Pizzol é um tipo de parque temático habitado por espécies de plantas e animais. Na entrada, o Museu da Cultura do Vinho ocupa uma sala climatizada onde os proprietários guardam verdadeiras relíquias da vitivinicultura, como a garrafa da primeira safra da casa (1978), saca-rolhas de 1930, funil de 1910, ebuliômetro de 1920, ânforas e moinhos de 1880. Até o vinho comemorativo da Revolução Francesa está guardado numa prateleira.
Autor do livro “A história do vinho gaúcho”, Ronaldo Dal Pizzol é o anfitrião que, ao lado do irmão Antônio e do enólogo Dirceu Scottá, recebe o turista, empunhando uma taça de espumante Dal Pizzol Brut Charmat. A produção é tímida, 300 garrafas por ano. Mas só a produção. Do lado de fora, numa área de 80 mil metros quadrados, o projeto inédito no Brasil, Vinhedo do Mundo, reúne mais de 500 variedades de uvas de todo o planeta.
500 VARIEDADES DE UVA
Os vinhedos estão dispostos em espaldeiras (sempre de norte a sul, para a exposição plena das uvas ao sol). No almoço, servido no Ristorante Enoteca Dal Pizzol, o bom e velho churrasco gaúcho é preparado pelas mãos do chef Avelino Enderle. Acompanha batata inglesa, coberta por pasta de queijo parmesão e cheddar com orégano, penne a la pena ou spaghetti ao funghi. Em seguida, filé grelhado ao molho de vinho tinto ou pesto. A sobremesa, de comer rezando, é uma mousse de uva. Tudo isso sai por R$ 130.
A 30 minutos dali, em Pinto Bandeira, a Cave Geisse oferece um dos melhores espumantes do Brasil, o Geisse Brut (método tradicional). A espuma que explode dá lugar a um creme borbulhante. O enólogo e um dos filhos do proprietário, Daniel Geisse, conta a história da vinícola, de 1975, e mostra as cavas (cavernas onde acontece a formação lenta de gás, de quatro a seis meses).
Daniel informa que a região, de origem vulcânica, solo repleto de basalto que cria bolsões de água, favorável à produção de uvas com baixo teor de açúcar e alta acidez, está prestes a obter a Denominação de Origem, como o Vale dos Vinhedos. Lá também é possível degustar o vinho base, fruto da primeira fermentação, que, no futuro, será um espumante.
A Geisse usa leveduras indígenas, ou seja, naquele vinhedo não tem fungicidas. Um microterroir para espumantes de alto nível, o que agradou gente graúda do setor, como o sommelier do D.O.M., João Pichetti. Há três anos, acrescentou à carta do restaurante de Alex Atala o Cave Geisse Brut (2012) e o Geisse Extra Brut (2011), este último, com edição limitada.
O giro pelas videiras é uma aventura à parte. O visitante vai de 4x4 até uma cachoeira, onde é servido outro Geisse Brut. Prepare-se para sacudir, o caminho é pedregoso. Na volta, parada no mirante para apreciar a vista dos 88 hectares, de onde sai a matéria-prima para a produção das 230 mil garrafas por ano. Dura até 1h30m e sai a R$ 70.
Divulgação
Um galpão com garrafas fermentando é o início da odisseia de sucesso da maioria das pessoas ligadas à vitivinicultura na Serra Gaúcha. Distante 15 minutos de Bento Gonçalves, na cidade de Garibaldi, um novo complexo turístico, inaugurado em dezembro, exibe 45 pipas desativadas, lamparinas em garrafões e muitos rótulos, fruto da cooperativa que contempla 370 famílias produtoras de vinhos de mesa, finos e sucos de uva. No setor de degustação, a visitação com provas é gratuita.
A Salton é a maior e mais impressionante vinícola da Serra Gaúcha, localizada no Vale Rio das Antas. A sommelier Mônica Coletti, eleita a melhor de Bento Gonçalves em 2014, guia a visitação, com lamparina, pelas cavas da fábrica, a 8m de profundidade. O local é escuro e climatizado naturalmente. O trajeto tem anjos iluminados nas paredes e som ambiente, herança da cultura celta adotada pelos fundadores da vinícola, desde a sua fundação em 1910. O que mais chama a atenção é a beleza da Cave da Evolução, onde prateleiras de vidro guardam preciosidades, como as garrafas do vinho tinto seco Talento servido aos papas Bento XVI (safra 2004) e Francisco (safra 2007), durante suas respectivas visitas ao país.
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Os números impressionam: oito milhões de espumantes por ano, 45% da produção no país. A Salton permeou sua vinícola não só com cifras e safras fartas, mas com a história que torna este programa marcante. Nas passarelas sobre a fábrica, é possível conhecer todas as etapas da elaboração de um vinho: da chegada da matéria-prima ao engarrafamento.
BLENDS, SAFRAS E TANINOS ENTRE OS CEM MELHORES
Na Serra Gaúcha, a receita para o que ainda resta do verão é se encher de brancos, espumantes e rosés. Com o dólar em alta, não favorável à importação, os vinhos nacionais têm sua chance de ouro. A Copa do Mundo despertou o interesse dos outros países pelo produto brasileiro. No Sul, encontramos rótulos de pequenos e grandes produtores que engordam as estatísticas. O Brasil está na 15ª posição em termos de produção, segundo a Organização Internacional do Vinho (OIV), e no 37º lugar, em consumo.
Na Garibaldi, o enólogo Maiquel Vignatti sugere uma sequência iniciada com o frisante (gaseificado) Relax: um demi sec leve, refrescante, com as uvas brancas trebbiano, riesling e moscato. “Uma das grandes apostas da vitivinicultura brasileira”, segundo o enólogo. O vinho branco Giuseppe Garibaldi (chardonnay pelo método charmat) prepara as papilas para o brut Pedrucci, método tradicional — no balde de gelo por 30 minutos, vai tinindo.
O tinto Chalet tem variedades de cabernet sauvignon e merlot, com leve passagem pela barrica de carvalho: cor rubi transparente, uma marca da Garibaldi. Já o Don Laurindo é da uva francesa tannat, cultivada dentro do Vale dos Vinhedos, e apresenta aroma de vinho europeu, varietal com passagem por carvalho. O Acordes foi grata surpresa: chardonnay safra 2012, vem de Monte Belo do Sul, a região mais alta do Vale. A uva amadurece antes das outras, são perfeitas para espumantes. Observação imprescindível: o espumante Moscatel da Garibaldi ficou entre os cem melhores do mundo em 2014, segundo a Associação Mundial de Jornalistas e Escritores de Vinhos e Licores (WAWWJ).
A Dal Pizzol ainda esbanja talento na hora de oferecer variedades, e a sommelier e jornalista Silvia M. Rosa, do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), lista rótulos da microrregião de Flores da Cunha. Um incrível e incorpado gewürztraminer (branco, alemão) abre os trabalhos para um Casa Venturini, chardonnay com passagem significativa em madeira, de boa mineralidade. Não economize nos goles: só é possível associar aroma e sabor se o primeiro for generoso.
O Aracuri é um pinot noir de Campos de Cima da Serra, saindo da Serra Gaúcha para Santa Catarina, região mais alta, favorável a esta uva, que não resiste ao calor, como ocorre na Borgonha, França. A Dal Pizzol tem seu próprio pinot noir, que acabou de nascer. O Perini reúne variedades como ancellota, tannat, merlot e cabernet sauvignon, de cor mais densa por conta do repouso em carvalho por seis anos. Um “vinhão” com história para contar, ideal para a língua sentir os taninos. Atenção, vinho é taninoso, não tânico. Por fim, um rosé brut de Caxias do Sul, método charmat: o Quinta Don Bonifácio.
Na Salton, inicie com o espumante da linha Gerações, que foi produzido para o aniversário de 100 anos da casa, em 2010. São quatro anos de autólise e apenas 13 mil garrafas. Siga com o Séptimo (sete mil garrafas), que leva sete tipos de uvas: tannat, ancellota, merlot, cabernet franc e cabernet sauvignon, marselan e teroldego.
Outro espumante é o Reserva Ouro, um charmat longo, 12 meses em contato com a levedura. O Talento (aquele servido aos papas) tem variedades de tannat, cabernet sauvignon e merlot. Encerre com o Brandy, destilado de uvas finas aromáticas, coloração amarela e aroma de ameixa, uvas, passas, nozes, avelãs, amêndoas e chocolate. Ma-ra-vi-lho-so.
Por: Bruno Calixto
Imagens: Gilmar Gomes
Fonte: O Globo
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