quinta-feira, 3 de março de 2016

Luis Duarte e suas centenas de vinhos

Luis Duarte não sabe direito quantos rótulos de vinho já criou. Algo entre 300 e 400, ele chuta, em seus mais de 30 anos de carreira. Sua onipresença em vinícolas portuguesas chegou a irritar o crítico responsável por vinhos lusitanos de uma importante publicação.
 
 
Em visita a Portugal para degustar a safra de seu primeiro ano no cargo, o tal crítico encontrou-se com Duarte pela manhã. Duas horas depois, em outra vinícola para o almoço. Na sequência, seguiram em carros separados para a terceira vinícola do dia e, por fim, jantaram juntos para a quarta degustação, de uma quarta casa. “Mas que diabos, está me perseguindo? Se soubesse que era você de novo nem teria vindo”, teria dito o crítico indignado, conta Duarte aos risos em São Paulo, antes de conduzir a degustação de algumas de suas criações em um restaurante em Pinheiros.
 
A anedota faz entender um pouco quem é este enólogo, um homem franco e direto. E que aos 50 anos não para. Exerce três diferentes papéis ao mesmo tempo: é empresário (produz seus próprios vinhos desde 2003, o Rapariga da Quinta); é consultor (criou rótulos para vinícolas como a Herdade da Malhadinha Nova e a Quinta do Mouro); e é funcionário (diretor-geral da Herdade dos Grous).
 
Sua história profissional está intimamente ligada à do Alentejo, que ajudou a transformar em importante celeiro vinícola. Nos anos 80, recém saído da primeira turma de enologia de Portugal, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o hoje acumulador de títulos de melhor enólogo lusitano (eleito em 1997, 2007, e 2014) foi convidado a desbravar a região. Duarte havia ganhado uma bolsa de três meses em Champagne e a ideia era dar só uma olhadinha no local. Afinal, o que seria melhor para um jovem enólogo que um estágio na França?
 
Aparentemente, a resposta a essa pergunta seria uma terra quente sem grandes projetos de vinicultura até então. Dias depois da primeira visita, Duarte mudou-se para o Alentejo para, do alto de seus 18 anos, comandar o que seria uma das mais importantes vinícolas da região, a Herdade do Esporão.
 
Trabalhava todas as horas em que estava acordado, sem fins de semana, nos primeiros anos do Esporão. Em uma passagem inacreditável, conta que foi chamado para alistar-se no Exército uma semana antes de sua primeira vindima e, por não conseguir a dispensa do chefe, um tipo paternalista, caricato, ao mesmo tempo afetuoso e esquentado, nunca se apresentou ao exército. Por anos teve medo de ser preso como desertor.
 
Quando estava confortável no trabalho, uma reviravolta: o chefe paternalista vendeu sua parte e Duarte, então manda-chuva, passou a ter que responder a outro enólogo recém-contratado pela nova administração, o australiano David Baverstock. Duarte (franco e direto como já sabemos) não esconde que foi difícil engolir o novo chefe – hoje o australiano e o português são amigos íntimos. A nova realidade o fez mudar de casa após 18 anos, assumindo a adega da Herdade dos Grous.
 
Se não sabe direito quantos rótulos já criou, ele arrisca um número para quantas casas ergueu do zero: 15. “Estou fazendo agora uma para mim, será a décima sexta. Não conheço ninguém que tenha feito tantos projetos quanto eu. E quem permitiu isso foi a região. Se eu vivesse no Douro, onde está tudo pronto, não seria o caso. Foi um conjunto de sorte e de coincidência”, diz, de forma a confundir o interlocutor – seria modéstia ou orgulho?
 
Pouco depois, a dúvida aumenta: Duarte conta que é raro participar de concurso e não levar prêmios. “Tenho mais chances porque vou logo com dez, 15 rótulos. Não lembro de ir a concursos e voltar sem prêmios. Não digo isso com vaidade, mas faço muitos vinhos.”
 
Por: Isabelle Moreira Lima
Título Original: O Português pai de mais de 300 vinhos
Fonte: Paladar

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