Como os diferentes tipos de solo influenciam nos vinhos e seus
sabores?
Por Alexandre Lalas
Imagine um solo pobre, em que a primeira camada fosse de pedra. Poderia ser
pedregulho, ardósia, cascalho, permitindo um reforço térmico e, por conseguinte,
uma maturação mais segura da uva. Então, viria uma segunda camada, esta de
areia, que serviria para drenar a água. Na sequência, argila, para conservar a
umidade no subsolo, forçando as raízes a irem mais fundo atrás de nutrientes e,
dessa forma, cobrindo camadas de composição mineral diferentes. Em tese, seria o
solo perfeito para a viticultura. Mas seria esse fator - na verdade encontrado
em diversos lugares pelo mundo - o suficiente para a produção de vinhos de alta
qualidade no local?
Sozinho, o solo não resolve. Embora seja indubitavelmente a base de um vinho
de qualidade, como em um trabalho em equipe, outros fatores são necessários para
um bom resultado. O clima, por exemplo, é um protagonista tão importante quanto
o solo. A mão do homem, outro. Esses três elementos, juntos, formam uma espécie
de triângulo que ajudam a explicar o mágico conceito de terroir. E são eles,
combinados, que definem que vinho nascerá de cada parcela de terra.
Papel do solo
Por definição, o solo é a
camada mais superficial da crosta. É composto por sais minerais, seres vivos e
rochas em decomposição. Serve de suporte às plantas e garante a nutrição delas.
Nas vinhas, além da nutrição e da sustentação, o solo desempenha um papel
secundário, mas de extrema importância: absorver luz e calor do sol, para
transferir em forma de energia à videira quando ela está na sombra. Mas, se é o
responsável pela vida da vinha, também pode ser o vilão, servindo de moradia
para pragas e afins. Embora o tipo de solo não determine a qualidade do vinho, o
papel que ele exerce é fundamental.
Para Álvaro de Castro, o solo, embora fator de essencial importância, não é determinante |
Alguns minerais são vitais para a saúde das vinhas. E todo solo que se preze
apresenta esses componentes. Entre eles estão o cálcio, que ajuda a neutralizar
os níveis de pH do solo; o ferro, essencial para a fotossíntese; o magnésio, que
ajuda na clorofila; o potássio, que auxilia no metabolismo da videira; além de
boro e manganês. Outro elemento de extrema importância é o nitrogênio, que
colabora na síntese da proteína.
Água
Mas até onde vai a influência do
solo é algo que nem mesmo enólogos muito experientes conseguem explicar. Para
Álvaro Castro, produtor e enólogo da Quinta da Pellada, no Dão, em Portugal, o
solo contribui principalmente com a água e a mineralidade. Em conjunto com o
clima, também ajuda a definir a acidez, a qualidade dos taninos, a maturação
fenólica e o álcool do vinho. Mesmo assim, para ele, o solo, embora fator de
essencial importância, não é determinante e o conceito de um "terroir único",
tão defendido pelos franceses, embora tenha alguma lógica, não é totalmente
compartilhado pelo produtor.
"Até acho que as propriedades e os solos têm características únicas que não
devem ser copiadas pelas outras regiões que têm menos sucesso. Por outro lado,
enerva-me o chauvinismo pouco científico de que as principais propriedades que o
solo confere às plantas não sejam reproduzíveis ano após ano. O que quero dizer
com isso é: uma vez conhecendo cada parcela da minha propriedade e tendo-me
apercebido das condições naturais que originaram as colheitas de exceção, devo
procurar proporcioná-las ao solo para que essas colheitas excepcionais possam se
repetir", acredita Castro.
"Uma das principais funções do solo é a disponibilização de água às plantas
nas quantidades exatas que promovem uma maturação regular, longa, concentrada e
elegante. Em minha opinião, deve-se praticar uma viticultura que a favoreça,
quer aplicando compostos orgânicos que a disponibilizam de uma maneira perfeita,
quer, em última análise, através da rega. A grande dificuldade advém da mudança
das características do solo dentro de cada parcela. Em um lugar podem ser
necessários cinco litros, mas 50 metros à frente é preciso de o dobro ou o
triplo de água", explica. "O que é verdade para a água de uma maneira mais
evidente, é também verdade para outros microelementos que são necessários ao
desenvolvimento das videiras", conclui.
Sofrimento
Embora a importância da água
seja indiscutível, outro produtor e enólogo português, António Lopes Ribeiro, da
Casa de Mouraz, faz questão de lembrar que é do sofrimento que nascem os grandes
vinhos. "'A vinha, para produzir bom vinho, tem de sofrer'. Este antigo ditado
português, transmitido de pais para filhos no meio vitivinícola, faz sentido
hoje e em qualquer lugar. Solos muito ricos darão alimento em excesso, criando
videiras vigorosas, muito produtivas, mas dando origem a vinhos medíocres ou
vulgares. Serão solos, com certeza, melhores para cereais como o milho ou
vegetais", explica.
"Por isso os melhores viticultores sempre procuraram as encostas, os terrenos
mais pobres, por vezes pedregosos, plantando a vinha em terraços e ladeiras.
Sabiam que aí a vinha teria de 'sofrer', sendo obrigada a trabalhar, a procurar
a sobrevivência na rocha-mãe. Aí as produções seriam menores, mas a qualidade
das uvas e do vinho seria sempre maior", acredita Ribeiro.
"Não é por acaso que um verdadeiro vinho do Dão, criado em solos pobres de
granito, apresenta sempre uma profunda e fresca mineralidade, ou um Douro,
conquistado à montanha de xisto, será sempre forte e robusto, um hino à
sobrevivência num mar de pedra, diferente e inimitável. Desde que o solo seja
adequado à cultura da vinha e do vinho de qualidade, todo ele irá marcar de uma
forma ou de outra o vinho resultante das uvas aí criadas. O importante é manter
esse solo vivo e capaz de alimentar corretamente a videira, transmitir-lhe a sua
essência. Por isso, é fundamental favorecer a existência de um coberto vegetal,
manter a biodiversidade, a coexistência de plantas diversas, evitando o solo nu,
a monocultura de vinha. Caso contrário, estaremos no domínio da hidroponia e
esta jamais dará origem a vinhos singulares, autênticos e de terroir", define o
produtor.
Adepto da viticultura
biodinâmica, Ribeiro explica até que ponto a terra influencia no resultado final
de um vinho. "O solo é a base de qualquer bom vinho. Quem trabalha em
viticultura orgânica e biodinâmica sabe que o solo é o elemento fundamental no
processo de criação de um vinho. Por isso, vários dos preparados biodinâmicos
são aplicados ao solo, para melhorar, tornar mais rico, mais saudável, mais vivo
e, obviamente, traduzir esse esforço, mais tarde, em melhores uvas, em melhores
vinhos", começa.
"É nas camadas mais profundas do solo, na rocha- mãe, que reside a
especificidade de um lugar, de uma parcela de vinha. Será essa mesma rocha-mãe a
marcar as características do vinho produzido a partir das uvas colhidas nessa
vinha. Por isso, em viticultura orgânica e biodinâmica, procura-se ao máximo
preservar os solos, procurando que as videiras tenham um enraizamento o mais
profundo possível. Para isso, mantemos, por norma, um coberto vegetal na vinha e
evitamos ao máximo a terra nua (o solo nu). Essa cobertura verde vai evitar a
erosão (a perda de solo), vai produzir matéria orgânica e, sobretudo, ao criar
alguma competição com a videira, vai obrigar a cepa a trabalhar, a estender as
raízes em profundidade, procurando alimento e água na rocha-mãe. Por isso,
também se procura evitar, no nosso tipo de viticultura, a irrigação,
utilizando-a apenas em situações excepcionais e em regiões áridas. Por quê?
Porque uma vinha irrigada e, como é comum na viticultura convencional, adubada
através da água terá sempre uma raiz superficial. Será uma vinha preguiçosa. Se
tem o alimento e a água à superfície, não necessita de descer à rocha-mãe. Ela
até poderá dar muitas uvas e estas, através da tecnologia enológica, poderão dar
origem a vinhos bastante razoáveis, todavia, jamais produzirão vinhos de
terroir, autênticos e personalizados. Algo que só um enraizamento profundo, num
solo saudável poderá dar", ensina o enólogo.
"As mesmas variedades plantadas em solos diferentes, por vezes em microparcelas
de menos de um hectare, como na região do Dão, vinificadas da mesma forma, darão
sempre origem a vinhos diferentes. O solo é um elemento fundamental na
identidade de um vinho", completa Ribeiro.
Os tipos de solo
Entre os principais tipos
de solo cultivados com vinhas estão aluvial, calcário, granítico, arenoso,
vulcânico, xistoso, argiloso, pedregoso, cascalho, sílex e terra rossa. Cada um
deles empresta uma determinada característica aos vinhos. Por exemplo, um solo
calcário tem níveis elevados de cálcio e carbonato de magnésio. Em geral,
proporciona boa retenção de água e drenagem. No entanto, por tratar-se de um
solo frio, pode retardar o amadurecimento da uva e mesmo produzir vinhos mais
ácido.
É importante ressaltar que muito além das características físicas e químicas do
solo, e mesmo dos humores do clima e dos desejos da natureza, a intervenção
humana ganha cada vez mais espaço na produção de vinhos de qualidade. Mesmo em
lugares onde era improvável a existência de vinhas, já há quem reclame por uma
indicação de procedência. Até países como Costa Rica, Quênia e Etiópia têm
vinhos para chamar de seus. As técnicas de irrigação, o aprimoramento dos
porta-enxertos, seleções clonais de melhor qualidade e uma série de novas
técnicas de viticultura têm permitido levar as vinhas onde elas jamais haviam
sonhado em estar. Independentemente do solo em que elas estejam sustentadas.
É importante ressaltar que muito além das
características físicas e químicas do solo, e mesmo dos humores do clima e dos
desejos da natureza, a intervenção humana ganha cada vez mais espaço na produção
de vinhos de qualidade
Pelos Solos do Mundo
COONAWARRA, AUSTRÁLIA
A festejada Terra
Rossa, de Coonawarra, na Austrália, é basicamente uma combinação única de
eventos. A área - que já foi um litoral - tem solo calcário sobre a parte
superior de uma base de arenito. O calcário secou ao longo de milênios e a
desintegração do solo quando começou a erodir provocou depósitos de ferro em seu
interior, gerando oxidação e criando as tonalidades de laranja e vermelho na
terra, rica em nutrientes e minerais, com boa drenagem. Um solo que descobriu-se
perfeito para a Cabernet Sauvignon.
Imagine o
fundo de um aquário, com aquelas rochas arredondadas, lisas. Pois esse é o
cenário mais comumente encontrado nas vinhas em Châteauneuf-du-Pape. Essas
pedrinhas ovais chegaram ao vale do Rhône após enchentes seculares ocorridas na
última Idade do Gelo. E se encarregam de reter o calor do sol para depois,
durante a noite, transferir a energia às vinhas. O resultado são vinhos ricos,
encorpados, quase picantes. E com generosa quantidade de álcool.
MOSEL, ALEMANHA
A ardósia abunda no solo de
Mosel, absorve o calor do sol e reflete às vinhas, garantindo uma melhor
maturação das uvas. Além disso, é altamente porosa. De quebra, garante uma
mineralidade que só faz bem à casta rainha da região: a Riesling. E se há uma
uva no mundo que reflete com precisão o que o solo oferece, essa cepa é a
Riesling. Não por acaso, o solo de Mosel é considerado um dos mais importantes
na viticultura mundial.
DOURO, PORTUGAL
O vinho que nasce do
Douro é um sobrevivente. A região é rica em granito. Mas o maciço de xisto
dividido em camadas verticais por baixo da superfície permite que a umidade se
infiltre no solo, e ainda oferece espaço para que as raízes se infiltrem mais
profundamente em busca de nutrientes. O resultado é um vinho robusto, encorpado,
forte. Trocando em miúdos, um sobrevivente.
BORGONHA, CHAMPANHE E VALE DO LOIRE,
FRANÇA
Uma bacia de pedra calcária de marga se alonga por essas três
regiões francesas: o solo kimmeridgian. É certo que cada pedaço de terra tem a
sua particularidade, o que ajuda a tornar vinhos vizinhos tão distintos,
diferentes. Mas a base está toda lá. Um solo argilo-calcário, repleto de
quartzo, zircão e de nutrientes gerados dos fósseis de moluscos de eras
passadas. E é na raiz desse solo que mora muito da explicação da qualidade, da
fineza e da singularidade de cada um dos (bons) vinhos dessas regiões.
PRIORATO, ESPANHA
Uma mistura de ardósia
escura e quartzito, rochosa e altamente porosa, com uma enorme capacidade de
drenagem e que permite às raízes cavar até 25 metros na rocha atrás de bolsões
de água e de nutrientes. Esse é o famoso llicorella, solo dominante no Priorato,
e uma das razões para a fama dos vinhos da região.
MENDOZA, ARGENTINA
Concentração é o sobrenome do vinho argentino. E tal característica é reflexo direto da combinação solo/geografia. As altitudes elevadas, somadas à mistura de areia, granito, xisto e depósitos aluviais transformam o solo de Mendoza em um ambiente único para crescimento das uvas. A ajuda do clima, com muito sol durante o dia, e temperaturas baixas durante a noite, completam o quadro e geram vinhos ricos em resveratrol.
Fonte: Revista Adega
Nenhum comentário:
Postar um comentário