Os avanços na tecnologia, a abordagem mais científica em todas as etapas da produção e a conquista de diversas certificações de qualidade tornaram a elaboração de vinho um processo bem controlado e higiênico. Os investimentos em pesquisa e inovação com estes objetivos são consideráveis - uma vez que, o mercado comporta-se de forma bastante rigorosa - e mídia, críticos e degustadores profissionais exercem influência direta sobre o consumo.
Um produtor responsável não pode correr o risco de colocar no mercado um vinho com defeitos, com sabor e aroma desagradáveis ou impróprio. Em casos extremos, pode-se perder uma safra, o que significa perder um ano de rendimento, além dos "arranhões" na imagem da marca.
Embora uma variedade de recursos enológicos aplicados na atividade vitivinícola tenha eliminado muitos dos defeitos comumente encontrados em vinhos de outras décadas, alguns "defeitos" - quando presentes de forma sutil - podem ser interpretados como qualidade (por mais contraditório que isto possa parecer).
A seguir, verificaremos os principais problemas que podemos encontrar no vinho, como eles se manifestam e, se possível, o que podemos fazer para evitá-los ou repará-los.
Bouchonée
Também conhecido como "defeito da rolha", é um problema que atinge cerca de 5% das garrafas de vinho no mercado, algo equivalente a mais de 1 bilhão de recipientes a cada ano. O próprio nome descreve a forma de identificação deste distúrbio: o cheiro de rolha, papelão molhado ou mofo.
A principal substância responsável por esta contaminação é o 2,4,6-tricloroanisol, ou apenas T.C.A. Substâncias congêneres como o tetracloroanisol ou o tribromoanisol também provocam os mesmos sintomas no vinho.
Embora a rolha de cortiça natural seja identificada como a maior culpada por este defeito, não se trata da única vilã. O T.C.A. é o resultado da presença de um fungo - como o Penicilium ou o Trichoderma, que estão livres no ambiente e consequentemente nas madeiras (tanto das instalações vinícolas, quanto das barricas e rolhas) - somado ao contato com substâncias cloradas, facilmente achadas em produtos para tratamento e limpeza de madeiras, e fenóis, naturalmente encontrados nas rolhas. Da junção destes três fatores, desenvolve-se o T.C.A.
Este defeito não pode ser observado a olho nu. Embora não cause nenhum dano à saúde humana, não há forma de se tratar e corrigir.
Brettanomyces
Brettanomyces é uma família de leveduras que pode atacar o vinho ou o mosto em fase final de fermentação. Popularmente chamada de "Brett", esta levedura produz aromas de couro, suor e bacon. No entanto, quando levemente presente, sem encobrir o caráter da fruta, pode adicionar complexidade ao fermentado. Podemos observar isto em muitos dos principais produtores do Rhône.
A "Brett" encontra predisposição especial para agir em vinhos com alto pH (baixa acidez) e teor alcoólico. Sendo assim, raramente a encontramos em vinhos brancos. Ainda não existe uma forma de corrigir este problema. Pode-se atuar apenas preventivamente durante a vinificação com a correta aplicação de sulfitos.
Oxidação
Oxidação é o processo em que o oxigênio atua como catalisador de uma série de reações indesejáveis e irreversíveis no vinho. Neste caso, como na "Brett", uma leve presença pode ser interpretada como qualidade e até tipicidade, como é o caso de alguns ícones da Espanha. De forma geral, a oxidação pode ser notada visualmente por dar aos vinhos brancos tonalidades acastanhadas e douradas muito intensas e, aos tintos, tons alaranjados e âmbar.
Uma série de substâncias podem ser indicativas de oxidação:
Acetaldeído - presente em pequenas quantidades, pode contribuir para a complexidade do vinho, como no caso do Jerez. O ataque de leveduras aeróbicas, normalmente da família Saccharomyces, transforma o álcool, glicerina e ácido málico dos vinhos em acetaldeído. Em maior presença, caracteriza-se pelo forte odor de amêndoa, além da ausência de acidez e maciez no vinho.
Os tintos, por conter maior teor de polifenóis, são menos suscetíveis a esta doença. Os tratamentos e correções somente podem ocorrer na vinícola, na fase de produção.
Acidez volátil - termo popularmente utilizado para descrever a presença de ácido acético no vinho. Embora a acidez volátil deva ser representada por uma série de ácidos voláteis, o ácido acético constitui cerca de 96% desta medida e, por isso, costuma-se utilizar apenas o termo acidez volátil. O ácido acético é produzido pela bactéria acética ou acetobacter, que age sobre o álcool, na presença de oxigênio. Este ácido não apresenta nenhum aroma característico, sendo mais facilmente identificado pelo sabor acre e levemente adocicado.
Etil acetato - é um éster responsável pelo aroma normalmente ligado ao vinagre. Resultado da reação do ácido acético com o álcool, o etil acetato, quando notado no vinho, apresenta odor nítido de vinagre e acetona.
Cozimento ou madeirizado - em clara referência ao processo de produção do Vinho da Madeira, esta oxidação se desenvolve pelo aquecimento prolongado do fermentado. Com calor moderado e prolongado, as reações químicas dos compostos orgânicos se desenvolvem de maneira acelerada, dando ao vinho tons amarronzados e aroma que remete ao caramelo.
Redução
Trata-se do fenômeno inverso ao da oxidação. São reações químicas que se desenvolvem em ambientes livres de oxigênio. No caso do vinho, quando se aponta que está "reduzido", ou com "aroma de redução", significa que compostos sulfúricos indesejáveis foram produzidos.
Certas leveduras, diante de condições extremas de carência de nutrientes no produto, passam a se alimentar de aminoácidos que contêm enxofre, produzindo estes compostos indesejáveis, como o sulfeto de hidrogênio (H2S), mercaptanos e tióis. Vale lembrar que a incidência de iluminação direta por período prolongado pode acelerar o processo de produção destas substâncias, um mal conhecido como "gosto de luz" (goût de lumière).
O sulfeto de hidrogênio possui o aroma característico de ovos cozidos em excesso (alguns chegam a falar em cheiro de ovo podre). Por se tratar de um gás bastante volátil, normalmente agitando-se o vinho na taça ou decantando a garrafa conseguimos eliminar este problema.
Mercaptanos também são compostos sulfúricos e podem ser produzidos pela ação de leveduras nos aminoácidos do vinho ou nas moléculas de sulfeto de hidrogênio. Caracteriza-se por manifestar aromas de gás de cozinha, alho e repolho. Por ser menos volátil que o sulfeto de hidrogênio, com a agitação ou decantação, consegue-se diminuir seus efeitos, porém dificilmente eliminá-los.
Tióis e outros dissulfitos são originados a partir da oxidação de mercaptanos. Podem ser identificados pela presença de aromas de borracha e borracha queimada, e são defeitos permanentes, não podendo ser corrigidos.
Estes compostos sulfúricos, quando presentes abaixo do nível de percepção humana, podem produzir o efeito de "apagar" os aromas do vinho, deixandoos sem expressão.
Pesquisas, porém, indicam que compostos à base de enxofre podem causar dores de cabeça em pessoas alérgicas a esta substância.
Cristais e borras
Não são defeitos. Cristais de tartarato podem indicar um processo de estabilização leve ou sua ausência. Já as borras ocorrem naturalmente com a evolução dos vinhos tintos e alguns fortificados em garrafa. Também denotam pouca ou nenhuma estabilização e filtração. Ambos não oferecem risco quando ingeridos.
Defeito ou não?
A lista contempla apenas os principais defeitos que podemos encontrar no vinho atualmente. Através dela, podemos ter uma noção dos inúmeros cuidados que os produtores devem tomar para disponibilizar um vinho "são" ao mercado, assim como o consumidor pode constatar a presença de algum defeito.
Agora, grande polêmica surge em torno do assunto quando levantamos a hipótese de fazer uso de todos os recursos disponíveis para a produção de um vinho sem defeitos. Não se estaria produzindo fermentados padronizados, quase pasteurizados? Vinhos que, devido a um intenso tratamento e manipulação, perderiam seu senso de terroir e não transmitiriam nenhuma filosofia de trabalho de seu produtor? Talvez os pequenos defeitos aproximem os produtos de uma condição mais humana, falível; às vezes interpretados até como qualidade, como complexos.
Por: Marcel Miwa
Fonte: Revista Adega
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