Descrever os sabores e aromas do vinho é uma tarefa prazerosa. Frutas negras maduras, tons tostados, notas cítricas, especiarias etc. Os descritores são inúmeros, mas você sabe como essas sensações se formam?
Primeiramente, para que se crie a sensação de sabor, diversos sentidos devem interagir, como o aroma, paladar, tato e até mesmo audição e visão. Por isso, o famoso ritual "olhos-nariz-boca" é importante para que se tenha a sensação de sabor mais complexa, completa e prazerosa. E é por isso que pedimos muita atenção quando falamos em "degustar o vinho", um termo que deve englobar um grande conjunto de sensações.
Apesar de todas essas variáveis na sensação de sabor do vinho, a combinação mais importante fica por conta da interação entre o gosto e o aroma. O gosto engloba os quatro gostos básicos, mas, no caso dos vinhos: doce, amargo e azedo, de substâncias não voláteis, percebidas em receptores específicos da língua.
Enquanto isso, o olfato é o componente sensorial resultante da interação de componentes voláteis dos vinhos com os receptores olfativos da cavidade nasal. O estímulo a essa sensação pode ser ortonasal (odor entra na região olfativa diretamente ao se inalar o ar contido na taça, acima do vinho) ou retronasal (quando o odor entra na cavidade nasal a partir da cavidade bucal ao se ingerir o vinho).
O vinho é uma bebida de aromas complexos, pois possui mais de 500 compostos voláteis em sua composição que, juntos, são responsáveis pela formação do seu aroma característico. Além da infinita complexidade, a combinação na percepção de cada molécula pode resultar em uma quantidade quase incontável de notas aromáticas.
Para comprovar a importância da interação entre gosto e aroma na sensação de sabor, basta ver que muitas pessoas dizem não sentir gosto quando estão com o nariz entupido. Outro exemplo clássico é a atribuição de descritores de gosto aos aromas: "Esse vinho tem aroma azedo ou doce", apesar de o sistema olfativo não possuir receptores para esses descritores.
Dessa forma, o termo sabor está combinado ou integrado com a percepção de aroma (odor) e gosto, e, em menor grau, a sensações de resposta neural (por exemplo: adstringência dos taninos, efervescência e frescor de outros compostos etc), textura/sensações táteis e aparência global. Toda essa complexidade torna difícil a distinção entre aroma e gosto como dois sentidos fisiológicos distintos, já que ambos são frequentemente percebidos simultaneamente.
Formação do gosto básico
Os componentes responsáveis pelo gosto básico do vinho, bem como por suas propriedades estimulantes, contribuem diretamente com a qualidade final do produto. Nesse caso, três classes determinam as características majoritárias do gosto dos vinhos: os componentes estimulantes (sendo que dentre os mais importantes está o álcool etílico); os ácidos (cujo conteúdo determina a acidez do vinho); e os açúcares (sendo que o conteúdo de açúcar residual determina se o vinho é mais seco ou mais doce).
Além desses grandes grupos, um fator de grande importância para o gosto e sabor do vinho é a adstringência, que, muitas vezes, é confundida com o amargor. Embora não sejam a mesma coisa, podem estar associados, pois muitos compostos que têm sabor amargo podem conferir uma sensação de adstringência.
Outros componentes colaboram com a percepção do gosto básico, ainda que nem sempre positivos, como o amargor, influenciado por componentes de diversas classes químicas, e o toque salgado, proveniente do teor de sais minerais presentes, principalmente o cloreto de sódio.
Os compostos que contribuem para esses gostos básicos são substâncias não voláteis, solúveis em água ou em misturas água/álcool. A associação de todos esses compostos com os aromas e substâncias voláteis são responsáveis pelo complexo sabor do vinho, que envolve uma série de reações e estruturas químicas diversas.
Algumas ressalvas importantes, uma é o caso especial do álcool etílico, pois, apesar de se tratar de um composto volátil, na quantidade em que é encontrado no vinho também pode colaborar com a sua doçura (juntamente com o glicerol), e os ácidos, como o ácido acético, por exemplo, que são levemente voláteis e, além de contribuírem com a acidez do vinho, podem colaborar com o perfil aromático.
Os principais componentes da formação do gosto Acidez
A acidez de um vinho é resultado da presença majoritária de diversos ácidos orgânicos, além de uma pequena quantidade de inorgânicos e de outros compostos que colaboram com essa percepção. Os ácidos podem ser diretamente derivados das uvas, formados no processo de fermentação ou pelos micro-organismos, além dos compostos específicos produzidos por uvas botritizadas.
Dentre os mais importantes se destacam o ácido tartárico, málico e cítrico, provenientes das uvas, e o ácido lático (presente em maiores concentrações nos vinhos que passaram pela fermentação malolática, desejável em muitos vinhos tintos) e succínico, gerados ao longo da fermentação, apesar de diversos outros estarem presentes e serem importantes para a acidez final do vinho.
É interessante ressaltar que as diferentes variedades de uvas apresentam conteúdos de ácidos distintos, sendo responsabilidade do enólogo administrar isso ao longo do processo de fabricação do vinho, para adequar o seu conteúdo ao produto final. Fatores climáticos, durante a maturação e colheita, também podem refletir no nível de maturação da uva que, por sua vez, determinará o seu conteúdo de ácidos e o seu sabor.
Sendo assim, acidez contribui direta ou indiretamente para a qualidade do vinho, pois está relacionada, por exemplo, ao gosto ácido do vinho. Vinhos com acidez insuficiente pode deixá-lo insípido, enquanto em excesso pode dar características de azedo.
A acidez também está relacionada ao pH, que por sua vez pode afetar diversos aspectos químicos e influenciar em reações importantes para a formação do aroma, gosto e qualidade. Por exemplo, um pH relativamente baixo ajuda na proteção do vinho contra a contaminação microbiana e faz com que a utilização de dióxido de enxofre tenha maior efeito. Além disso, ajuda a expressar a coloração vermelha dos vinhos tintos e reduzir a incidência de escurecimento dos compostos fenólicos presentes. O pH é muito importante para a estabilidade do vinho, sendo que uma acidez adequada será um requisito importante para o potencial de envelhecimento.
Doce
O conteúdo residual de açúcares (sacarídeos), glicose e frutose determina a sensação primária de um vinho entre seco ou doce. Essa informação é responsável por uma das principais divisões nos tipos de vinhos como secos (entre 0,2-0,8 g.L-1 de glicose e 1,2 g.L- 1 de frutose) ou doces (de 30 e 60 g.L-1, respectivamente).
Do ponto de vista prático, a contribuição do álcool etílico e do glicerol à percepção do doce do vinho também deve ser considerada, embora em menor escala. Então, a quantidade e intensidade do gosto doce dependem principalmente da concentração e da estrutura dos açúcares presentes, bem como de outros parâmetros como a temperatura, pH e a interação com outros componentes.
Uma das interações que deve ser destacada fica entre a acidez e o doce, sendo que vinhos mais doces necessitam de uma acidez mais destacada para não se tornarem muito apagados. Contrariamente, vinhos muito ácidos e sem qualquer doçura podem resultar em vinhos descritos como ácidos ou azedos ao extremo, o que não é interessante.
O conteúdo residual de açúcares, glicose e frutose determina a sensação primária de um vinho entre seco ou doce
Amargor e adstringência
Embora a adstringência e o amargor sejam constantemente confundidos, eles apresentam diferenças consideráveis, além de afetarem diferentes áreas da boca e da língua, de maneira distinta.Apesar de suas diferenças, esses termos sensoriais podem ter semelhanças no que diz respeito aos seus compostos químicos básicos, os polifenóis, que são provenientes das uvas e do carvalho. Dentro desse grande grupo são encontradas duas classes: o grupo flavonoide e os compostos não flavonoides.
No caso específico das uvas Vitis Viníferas, os principais compostos fenólicos encontrados são os ácidos fenólicos e seus conjugados (não flavonoides), flavan-3-ols (e polímeros de taninos condensados), antocianinas, flavanols e flavonoides.
Amargor
Diversos compostos são importantes quando temos a sensação de amargor. No caso dos vinhos brancos, os principais responsáveis por conferir certo amargor são pequenas quantidades de catequinas e leucocianidinas. Nessa classe, compostos como os chamados flavononols, a flavonona naringinina (presentes em variedades como a Riesling, por exemplo) apresentam um amargor leve, mas, nas concentrações finais em que são encontradas, não chegam a afetar os vinhos. Entretanto, um composto com maior recorrência é o tirosol, que, presente em uma concentração entre 20-30 mg.L-1, pode conferir ao vinho, branco ou tinto, uma sensação de amargor muito pronunciada.
Nos tintos, novamente a classe de flavan-3-ols e seus derivados podem ser responsáveis pelo amargor. Mas, realmente, não é uma tarefa simples distinguir entre o amargor e a adstringência, pois é importante destacar que, em muitos casos, alguns polímeros tendem a conferir mais adstringência do que amargor quando em solução, aumentando a dificuldade de distinção do paladar e a capacidade de detecção. E o contrário também é válido como, por exemplo, a combinação entre as antocianinas e os taninos que, no caso dos vinhos jovens, proporciona mais amargor do que adstringência, pois suas estruturas ainda estão passando por mudanças.
Adstringência
A adstringência é uma característica essencial dos vinhos tintos e confere um certo "corpo", sensorialmente descrito como a sensação de boca seca, dura ou áspera. Nos tintos, a adstringência é proveniente principalmente da presença dos compostos fenólicos flavonoides, constituintes naturais das uvas. Durante a produção, se houver a extração excessiva desses compostos, o vinho resultante poderá ser muito adstringente e áspero, precisando de um longo tempo de maturação para perder um pouco dessas características e tornar-se mais aveludado.
A adstringência não é detectada pelas papilas gustativas e muito menos pelo epitélio olfativo, mas é a sensação seca e áspera percebida na boca. Esse mecanismo ainda é pouco compreendido e bastante estudado. A primeira hipótese surgiu em 1973, quando os autores sugeriram que os compostos adstringentes agiam nas proteínas presentes na saliva, se complexavam e resultavam na perda da capacidade dessas proteínas de lubrificarem a boca, causando uma sensação seca.
E se pensarmos nas interações entre os diferentes compostos, nesse caso temos outra, pois a combinação entre acidez e adstringência nos vinhos também ocorre, sendo que a sensação de adstringência aumenta conforme a acidez do vinho diminui.
Outros compostos
Além desses e tantos outros compostos, alguns que também são essenciais para o sabor do vinho não poderiam deixar de ser lembrados:
Álcool etílico: pode ser considerado o componente mais importante do vinho, conhecido por suas propriedades sensoriais e estimulantes (e, em excesso, intoxicantes);
Dióxido de carbono: a dispersão desse composto na solução forma as bolhas, que provocam uma sensação importante para o paladar: o formigamento e a efervescência sentidos na mucosa da boca;
Dióxido de enxofre: adicionado para prevenir a oxidação do vinho, esse composto tem um efeito particular no sabor do vinho, contribuindo principalmente com compostos voláteis;
Oxigênio: o contato com o ar, e consequentemente com o oxigênio, pode ser responsável por diversas mudanças químicas sensoriais nos vinhos, positivas e negativas. Quando pensamos nos seus efeitos benéficos ao sabor (aroma e gosto), devemos lembrar de que o contato com o vinho tinto deve ser pequeno e periódico, com baixas quantidades de oxigênio durante a maturação, enquanto para os vinhos brancos até mesmo esse contato pode ser prejudicial.
Como se percebe, o sabor de um vinho depende da complexa interação de diversos compostos, seguindo diferentes reações químicas e influenciado por uma infinidade de variáveis. E é por isso que o vinho é tão subjetivo quanto o prazer que ele proporciona.
A adstringência não é detectada pelas papilas gustativas ou pelo epitélio olfativo, mas é a sensação seca e áspera percebida na boca
Por Gustavo MolinaFonte: Revista Adega
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