segunda-feira, 29 de julho de 2013

Deficientes visuais participam de degustação de vinhos na Serra

Não são incomuns no Brasil degustações de bebidas “às cegas”, realizadas no escuro ou com os olhos vendados, para exigir mais do paladar e do olfato do apreciador. Raras, entretanto, são as versões literais desses eventos, como uma degustação realizada sábado em Bento Gonçalves tendo por convidados especiais 20 pessoas com deficiência visual.
 
A iniciativa, realizada em conjunto pelas vinícolas Pericó, de Santa Catarina, e Aurora, do Rio Grande do Sul, teve lugar na sala de degustação da loja Aurora, em Bento Gonçalves, e foi ministrada por um sommelier de experiência internacional, o jornalista e escritor italiano Roberto Rabachino, que já esteve muitas vezes no Brasil ministrando cursos sobre vinhos.
 
De estatura mediana, elegantemente trajado, Rabachino é o que se esperaria de um palestrante italiano: entusiasmado, movimenta-se o tempo todo, falando alto e complementando a maioria de suas declarações com vigorosos gestos de mão – às vezes se entusiasma tanto que deixa para trás seu tradutor, o enólogo Jefferson Sancineto Nunes.
 
– Eu não uso o termo “deficiente visual”. Prefiro usar a terminologia “diversamente hábil”. E como vocês têm o paladar e o olfato muitas vezes mais aguçado do que aqueles que enxergam, é possível que, na média, sejam mais inteligentes do que eu em matéria de vinho – disse Rabachino.
 
Nas mesas da sala de degustação, sentados dois a dois, os 20 cegos ouvem atentamente. O grupo é heterogêneo, composto de pessoas de diferentes localidades e pertencentes a distintas associações gaúchas e catarinenses, como a Associação dos Deficientes Visuais de Bento Gonçalves (ADVBG) ou a Associação de Deficientes Visuais de Itajaí e Região (ADVIR).
 
O nível de familiaridade com o vinho também variava, de jovens que nem bebem muito, como a cantora Caroline Rasador, 28 anos, de Monte Belo do Sul, até o especialista Rogério Francisco Trucolo, 60 anos, capaz de reconhecer não apenas a variedade das uvas como a vinícola apenas pelo olfato, e sem precisar aproximar muito o nariz da taça.
 
 
Segundo ele, o mito de que as pessoas cegas desenvolvem mais determinado sentido, não dá conta da experiência real, que envolve aprender a tirar proveito das informações fornecidas por outras habilidades.
 
– É uma questão de disciplina para desenvolver habilidades que compensem a falta da visão – diz ele, que é terapeuta holístico e ficou cego aos 24 anos, ao tentar desarmar alguns foguetes que não haviam estourado em uma comemoração de fim de ano.
 
Rogério foi a inspiração para o encontro, cuja ideia surgiu no fim de março, durante uma conversa de sua irmã Sandra Maria Trucolo, diretora do laboratório Enolab, em Flores da Cunha, com o empresário Wandér Weege, proprietário da vinícola Pericó. Ela comentou que o irmão tinha formação de sommelier. O papo derivou para a ideia do evento, concretizada após o diretor-geral da Aurora, Além Guerra, ceder as instalações.
 
Momento de descobertas e memórias
 
Enquanto ministra sua aula, Rabachino intercala considerações sobre a história do vinho em questão com comentários sobre aromas, sabores e propriedades.
 
– Para quem não pode ver o vinho, como vocês, posso dizer que, em 90% dos casos, se o vinho tem aroma de flores ou de frutas de polpa branca ou amarela, como maçã, pêssego ou banana, é um vinho branco. Se tiver aroma de pimenta, de especiarias, de frutas vermelhas maduras, é um tinto – ensina Rabachino.
 
Ao fim da aula, a habilidade do sommelier em passar informações de forma simples foi elogiada por Anderson Dall’Agnol, 21 anos, funcionário do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul em Bento Gonçalves.
 
– Achei muito boa a forma como ele consegue explicar as coisas de modo simples. Não tenho muito conhecimento ou experiência com vinhos, e não tive dificuldade alguma para compreender – foi a avaliação de Anderson, que tem 20% de visão.
 
Comprovando a afirmação feita logo no início da aula por Rabachino, de que o “vinho é um momento de comparação com o mundo externo”, ao sabor da degustação afloram percepções não apenas sobre a bebida, mas sobre si mesmos.
 
– Hoje eu consegui entender por que eu não gosto muito de vinho branco. Eu não gosto de aromas florais, nem perfume assim me agrada – disse Vera Fuks, 33 anos, colega de Anderson no Instituto Federal.
 
Outros tiveram despertadas na degustação memórias íntimas, como o presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Bento Gonçalves, Volmir Raimondi, 46 anos, ao degustar um dos merlots apresentados no encontro – o aroma e o sabor da bebida o transportaram por momentos para a juventude, quando provou um vinho semelhante produzido por seu pai, que trabalhava em Bento Gonçalves como cantineiro:
 
– Cresci ligado ao vinho. Fiquei feliz ao ouvir ele dizer que merlot é a uva que melhor representa o vinho produzido no Brasil.
 
Por: Carlos André Moreira
Fonte: Zero Hora

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