Definição e Origem da Crítica
Criticar qualquer coisa é examiná-la racionalmente, tentando isentar-se de
influências e preconceitos, atribuindo ao objeto da análise um conceito de
valor. O ser humano é crítico por natureza, pois estamos permanentemente e de
várias maneiras atribuindo valor a tudo, mesmo que inconscientemente. Criticar é
humano e é saudável, faz parte do livre pensar e do exercício de questionar.
O vinho recebe por escrito seus julgamentos de valor desde a Antigüidade. Os
cronistas de Roma atribuíram grande qualidade ao vinho Opimiano da safra de 121
aC. Esse fabuloso fermentado, cujo nome é uma homenagem ao então cônsul Opimius,
foi um grand cru, produzido a partir de um vinhedo único chamado Falernum, na
região da Campânia (onde é hoje Nápoles) e foi consumido até seus 125 anos de
idade!
O termo 'provador' foi designado em 1793, pelos lexicógrafos franceses como
"aquele cujo ofício é provar vinhos". Vinte anos depois, a palavra 'degustar'
viria a surgir nos textos franceses. O primeiro livro a tentar analisar a
ciência da degustação foi provavelmente 'The History of Ancient and Modern
Wines', escrito em 1824 pelo Dr. Alexander Henderson. O século XIX registrou o
florescimento de uma literatura voltada para as qualidades sensoriais do vinho,
sua apreciação e, conseqüentemente, avaliação. Disseminava-se então crítica de
vinhos.
A função da crítica de vinhos
Criticar um vinho é degustá-lo, de preferência às cegas, sem preconceitos,
seguindo padrões internacionalmente aceitos, à luz da experiência prática,
atribuindolhe um conceito de valor. O bom crítico é aquele que não detém o
conhecimento mas o dissemina, prestando um serviço a seu leitor, orientado-o e
buscando uma capacitação crítica desse leitor, para que ele pense o vinho e
desenvolva seu próprio gosto e seu próprio senso de julgamento.
Como os vinhos são avaliados
Muitas são as maneiras de se avaliar tecnicamente um vinho e de atribuir valor a
ele. Existem muitos métodos didáticos, e várias fichas oficiais. Mas embora cada
profissional tenha seu modus operandi, suas preferências e seus segredos, os
resultados convergem para pontos em comum.
Fala-se sempre de como o vinho interage com os órgãos dos sentidos, no caso:
olhos, nariz e boca. Sempre comparando cada vinho com todos os vinhos que já
degustamos na vida. Degustar é comparar. Avaliam-se cor, aromas, sabor, tato e
equilíbrio geral. Alguns degustadores atribuem notas, por exemplo, à tipicidade,
à evolução do vinho na taça ao longo da degustação, e à sua perspectiva de
envelhecimento em adega.
As maneiras de contabilizar e apresentar os resultados variam bastante.
Americanos preferem escalas de 100 pontos e europeus de 20, por exemplo. Adeptos
mais notórios da escala de 100 pontos são a Wine Spectator, Robert Parker. A
Revista de Vinhos, de Portugal, e a inglesa Jancis Robinson são dos que preferem
os 0-20 pontos. A revista inglesa Decanter optou por uma simplificação, colocado
estrelas, de 0 a 5.
Um método didático para avaliar vinhos
Para que nosso
leitor possa se aprimorar na arte da degustação e se familiarizar com a
avaliação de vinhos, sugerimos um método didático muito utilizado no Brasil,
adotado pela ABS (Associação Brasileira de Sommeliers), o método Giancarlo
Bossi.
Vamos descrever a ficha de degustação criada por este enólogo italiano, mas
antes é bom lembrar que profissionais utilizam métodos bem mais simplificados e
muitas vezes não utilizam nenhum tipo de ficha. Friso que mais importante que o
método ou a ficha utilizada é a experiência do degustador, que saberá usar a
técnica em seu favor e não ser usado por ela, não ficando preso a muitas regras
que podem ser limitantes. Para iniciantes, no entanto, métodos didáticos podem
servir de guia para uma degustação mais atenta. A ficha ao final é dividida em
exame 'Visual', 'Olfativo', 'Gustativo' e 'Sensações Finais'. A parte de
'reconhecimento' não recebe notas:
I - exame visual (16 pontos
possíveis)
Reconhecimento: Incline a taça sobre um fundo branco e analise a tonalidade e a intensidade no meio (parte mais profunda) do líquido. A cor a que devemos nos referir é a cor do centro da taça inclinado. Verifique a fluidez, girando a taça sobre a mesa e vendo o tempo que o líquido leva para retornar ao repouso. Uma referência seria: muito escorregadio = água; escorregadio = a maioria dos vinhos de mesa; denso = vinhos de sobremesa, Porto, etc.; xaroposo = licores; fiadeiro = azeite.
Na unha (parte final e mais fina da superfície do vinho na taça inclinada) e
nas bordas do líquido, note eventuais reflexos - o reflexo nos fala do passado e
do futuro do vinho, da sua ex ou futura cor. Um vinho vermelho rubi com reflexos
alaranjados, por exemplo, é um vermelho rubi com sinais de idade. A ponta da
unha é sempre incolor, revelando o álcool do vinho. A ponta de unha é tanto
maior quanto mais envelhecido é o vinho.
Avaliação:
Limpidez: procure
substâncias em suspensão; veja se o líquido está limpo. Brilhantes seriam os
grandes vinhos, que chamam a atenção pela grande limpidez, chegando a brilhar.
Muito límpido: a maioria. Límpido: seria um Porto sem decantar por exemplo.
Velado e Turvo seriam os vinhos defeituosos.
Para julgar a transparência, tente ler através do líquido na taça inclinada.
Muito transparente: vinhos com cor branco-papel. Transparente: lê-se através, a
maioria dos vinhos. Regular: oferece dificuldade para lerse através. Opaco:
vinhos de cor profunda. A nota que se dá pela qualidade da cor é um quesito de
gosto pessoal. Siga seus instintos.
II - exame olfativo (24 pontos
possíveis)
Reconhecimento: Primeiramente, procure sentir os
aromas do vinho logo que for servido, antes de examinar a cor. Você sentirá
dessa maneira aromas muito voláteis e efêmeros, que não serão sentidos mais ao
longo da degustação. Aromas como sulfa, cacau e café às vezes aparecem apenas no
início da degustação.
Depois do exame visual, analise com mais calma a parte olfativa. Esse momento
exige concentração. Colocando-se o nariz na parte de baixo da abertura da taça
você sentirá os aromas mais pesados, que se volatizam por esta parte da taça.
Colocando-se o nariz na parte de cima, você sentirá aromas mais leves. No
reconhecimento, um vinho Franco é um vinho são, opondo-se ao Defeituoso. Amplo é
o vinho com variedade de aromas e Nítido é o vinho com apenas um aroma que
domina (nesse caso indique qual o aroma).
Fragrantes são os aromas primários e secundários (originários da uva, da
vinificação e do amadurecimento do vinho), trata-se normalmente de um vinho
jovem. Fragrantes são os aromas que abrem as papilas olfativas, o melhor exemplo
é o hortelã. Etéreos são os aromas terciários, aqueles originados do
envelhecimento do vinho em garrafa - aromas como couro, pelica, pele de salame
etc., que contraem as papilas olfativas. Um vinho pode ser fragrante, etéreo ou
estar na transição entre uma coisa e outra.
Frutado se refere a vinhos com aromas de frutas, Floral a vinhos com aromas
de flores, Vinoso a vinhos com aroma de uva ou mosto de uvas (geralmente vinhos
de baixa qualidade como os vinhos ditos de garrafão), e Vegetal a vinhos com
aromas de vegetais.
Avaliação:
Na Qualidade, observe a qualidade (bom x
ruim), a variedade e a originalidade dos aromas. Na Intensidade, verifique o
ataque aromático da bebida, a quantidade de aroma. Na Persistência, avalie por
quanto tempo a intensidade se mantém. Um método é contar o tempo que leva para o
aroma se dissipar depois de inspirado. Dez segundos representam um vinho de boa
persistência.
III - exame gustativo (60 pontos
possíveis)
Reconhecimento: Finalmente coloque o vinho na
boca, sem engolir, por enquanto. Deixe o vinho passear por sua boca, mastigue-o,
verifique seu corpo, sua acidez, seu tanino, seu álcool e sua doçura. Deixe a
saliva interagir com o vinho, ele esquentará e liberará mais aromas.
Uma experiência interessante é, fazendo um biquinho, deixe entrar ar na boca
(ainda com o vinho
nela, antes de engoli-lo). Com isso, o vinho se volatizará
dentro da boca de forma mais intensa e você sentirá aromas mais intensamente,
normalmente aromas mais pesados, por via oral, pela comunicação interna que
existe entre boca e nariz.
Açúcares: verificam-se na ponta da língua. A
maioria dos vinhos finos é de vinhos secos. Suaves e meio-doce seriam os vinhos
com alguma doçura. Doces seriam os vinhos de sobremesa, os Sauternes, Portos,
etc. Licorosos, os licores.
Acidez: verifica-se
através da salivação que provoca no final da boca, nos cantos próximos ao fim do
maxilar. Mole seria um vinho carente de acidez e Áspero um vinho com excesso de
acidez.
Álcool: é a sensação de calor, queimação e
pungência na língua. Maciez: sensação de redondez que o vinho provoca. Carente
seria o vinagre e Pastoso, um xarope.
Corpo: é o
extrato seco do vinho, verifica-se na textura e consistência do vinho,
mastigando- o.
Tanicidade: sensação de secura,
aridez na língua. O oposto da acidez.
Avaliação:
Verifica-se o equilíbrio nos vinhos comparando
os fatores reconhecidos, o vinho será tanto mais equilibrado quanto mais
coerentes entre si forem açúcares, acidez, álcool, etc.
A qualidade se refere à variedade, originalidade e qualidade da avaliação do
vinho na boca.
A intensidade se refere à quantidade, ao ataque de gosto, aroma e tato
avaliado na boca.
A persistência se refere à manutenção da intensidade no tempo. Ao engolir do
vinho conte os segundos, menos de 10 é razoável, de 10 a 15 é persistente e mais
de 15 muito persistente.
Termina bem? A sensação final que o vinho deixou foi agradável?
Deixa a boca: Fresca para vinhos brancos mais acídulos (seja coerente - veja
o que você marcou no reconhecimento do vinho no exame gustativo); Enxuta para
vinhos brancos menos ácidos ou tintos não muito tânicos; Limpa para vinhos
neutros (pouco ácidos para brancos ou pouco tânicos para tintos) e Árida para
vinhos tintos tânicos.
O vinho deixou alguma sensação no final da língua (região onde se percebe o
amargor) após ser engolido? Chamamos de fim-de-boca e, quando aparece
normalmente, é amargo. Marque então: com fundo amargo.
Jovem: vinhos que ainda não atingiram seu patamar de maturidade. Pronto: atingiu seu patamar de maturidade.
Maduro: está no
fim do patamar; daqui a diante decairá. Ligeiramente
envelhecido: começou a decair, demonstra os primeiros sinais de
idade.
Envelhecido: já decaiu e demonstra sinais claros de idade. Decrépito: já bastante envelhecido com seqüelas dessa senilidade.
Fonte: Revista Adega
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