As Cruzadas e o Hermitage
Estamos no fim do Século XII. No sul da França, a expansão da seita albigense
incomoda a Igreja. Sob influência do conde Giuseppe di Segni, o papa Celestino
III envia uma delegação para Toulouse.
Capela de Hermitage |
Com a morte de Celestino, Giuseppe é eleito papa com o nome de Inocêncio III.
Entre Albi e Carcassone a situação se complica e o legado papal é assassinado. É
o estopim para que Inocêncio desfeche, em 1209, violenta cruzada contra os
albigenses. Entre os cruzados está o jovem cavaleiro Gaspar de Sterimberg, de
inclinação religiosa.
Após a vitória católica e a dispersão dos albigenses, em 1226, Gaspar
transfere- se para o vale do Rhône e torna-se eremita, fixando sua ermida -
"hermitage", em francês - na encosta ensolarada de uma curva do rio.
Ali ele ergue uma capela de pedra e se dedica à oração, ao cultivo da vinha e
à elaboração de vinhos. Em pouco tempo o oratório se torna lugar de peregrinação
e o vinho de Gaspar ganha fama com o nome de Hermitage. Lá em baixo, na curva do
Rhône, desenvolvese a aldeia de Tain. Tudo isso pode ser testemunhado nos dias
de hoje.
A aldeia medieval é uma cidade ocupando as duas margens do Rhône com o nome
de Tain l'Hermitage. A capela de pedra acha-se no mesmo lugar, restaurada pela
família Jaboulet, distribuidora de vinhos da região.
Entre tais vinhos encontram-se o "Hermitage La Chapelle", lembrando a capela
de Gaspar, e o "Hermitage Chevalier de Sterimberg", em homenagem ao
cavaleiro-eremita.
Priorato, pequena região lendária
Das sete regiões vinícolas da Catalunha, na Espanha mediterrânea, três são
vizinhas e litorâneas, a saber: Penedès, Tarragona e Priorato.
O Priorato, uma das menores áreas vinícolas da Espanha, caracteriza-se por
seus tintos alcoólicos da variedade Garnacha.
Por trás do nome Priorato escondemse a história e a lenda.
O cônego São Bruno, professor de teologia em Reims, criou, no século XI, com
seus discípulos, a ordem religiosa da Cartuxa (Chartreuse, em francês).
(Um lembrete: o Convento da Cartuxa (imagem ao lado), no Alentejo, dá nome ao tinto Cartuxa,
vinho português conhecido. E o Chartreuse é um licor à base de ervas
desenvolvido originalmente no mosteiro cartuxo da França).
Com a ordem já consolidada, alguns religiosos dirigiram-se à Catalunha para
procurar um local adequado para a construção de um novo convento. Foram
informados por um pastor da existência de uma colina por onde os anjos subiam
aos céus por uma escada.
Interpretando a notícia como uma mensagem divina, edificaram ali o convento
Scala Dei - a escada de Deus - em torno do qual se instalaram vinhedos e se
fundou uma cidade com o mesmo nome.
Com as doações feitas pelos reis de Aragão, e com a venda de vinhos cada vez
mais afamados, os priores desse convento ficaram tão ricos e poderosos que a
região passou a se chamar Priorato.
No século XIX, o convento foi saqueado e incendiado. A fama dos vinhos da
região, entretanto, já estava consolidada. Hibernaram durante certo tempo, mas
voltaram com força na segunda metade do século XX e são facilmente encontrados
entre nós.
Próximo da atual cidade de Scala Dei, na Catalunha, encontra-se a vinícola
Adegas da Cartuxa - em catalão, Cellers de la Cartoixa - com seus
vinhos do Priorato que lembram um passado longínquo, histórico e lendário.
A família Ricasoli e o Castelo de Brolio
Sobre uma colina em meio aos vinhedos do Chianti, na Toscana, erguese o
imponente Castelo de Brolio, exemplo raro de arquitetura militar do
Renascimento.
Destruído e reconstruído várias vezes, ele é a sede vinícola da família
Ricasoli, cujos antepassados o ergueram, pela primeira vez, há mais de
oitocentos anos.
A palavra Brolio vem do latim brogilum, campo de cultivo. Na Idade
Média, e mesmo depois, nunca se estava em paz nesses campos. Os exércitos
passantes pisoteavam os vinhedos, os alarmes soavam, os camponeses se refugiavam
dentro dos muros. Portões eram arrombados, os vencidos eram massacrados, os
invasores desciam às adegas e se assenhoreavam das pipas de vinho. Terminado o
saque, incêndio e demolição.
Cedo ou tarde, contudo, reconstruíase o castelo, os vinhedos voltavam a
florir e a frutificar, as pipas de vinho voltavam às adegas.
Por volta de 1850 sobreviria, finalmente, a paz duradoura, e assim o Barão
Bettino Ricasoli usufruiu da tranqüilidade para estabelecer a fórmula
tradicional do Chianti Clássico, com duas uvas tintas e duas brancas.
As crises do século XX acabaram por transferir a propriedade do castelo para
uma multinacional.
Em 1993, entretanto, os Ricasoli conseguiram recuperá-lo e o nobre sobrenome
voltou à fama com o "Chianti Clássico Castelo di Brolio", cujo rótulo inclui a
imagem do castelo. E cuja elaboração, ainda que renovada, segue a esteira da
tradição familiar.
Fonte: Revista Adega
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