Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz) e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) usaram resveratrol — antioxidante
presente em algumas frutas e concentrado nos vinhos tintos — para combater
sintomas da doença de Chagas em camundongos, após infectá-los com o parasita Trypanosoma
cruzi. O resultado do experimento surpreendeu o grupo: a substância não apenas
diminuiu a progressão da patologia como também reverteu danos graves causados
ao coração, além de aprimorar o funcionamento do órgão.
O tratamento durou apenas um mês. Agora, os cientistas
planejam novos testes para checar sua eficácia em humanos.
De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, a
enfermidade em seu estágio crônico afeta de 1,9 milhão a 4,6 milhões de pessoas
no Brasil, mas muitos casos são descobertos após décadas de infecção. E a
maioria não apresenta sintomas. A versão aguda (inicial) da doença é de
notificação obrigatória. Dados preliminares do Sistema de Informação de Agravos
de Notificação (Sinan) indicam que foram confirmados 224 casos e dois óbitos
somente no ano passado. Em 2014, 4.428 óbitos foram registrados, considerando
os dois estágios.
A doença de Chagas é muito complexa e pode causar
problemas cardíacos, digestivos e neurológicos. O que se faz hoje é controlar
os sintomas decorrentes. Curar a doença é difícil, mas podemos oferecer
qualidade de vida. Com a pesquisa, mostramos que é possível reverter os danos,
algo considerado impossível até então — diz Joseli Lannes-Vieira, chefe do
Laboratório de Biologia das Interações do IOC, que coordenou o estudo com
Claudia Paiva, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes da UFRJ.
O artigo publicado tem como primeira autora a doutoranda
Glaucia Villar, orientada por ela. Joseli explica que as células cardíacas
passam por efeito de “estresse oxidativo” que vem da resposta imunológica do
organismo ao tentar controlar o ser estranho. E o parasita é persistente. O
remédio disponível atualmente para o tratamento desta doença, considerada
negligenciada, é o benznidazol. No tratamento com este medicamento, há redução
da quantidade de parasitas, porém sem reversão dos danos cardíacos. Já em duas
outras terapias baseadas em moléculas de ação antioxidante — o fármaco
metformina, usado no tratamento da diabetes, e o composto tempol —, também
estudadas pelos pesquisadores, os efeitos cardioprotetores mostraram-se
semelhantes aos do resveratrol. Estas últimas, por outro lado, não eliminam os
agentes infecciosos. O resveratrol entraria, então, com a ação completa, na
medida que ativa um mecanismo (ainda não identificado) que leva o parasita à
morte.
Ainda precisamos saber a via molecular onde esse combate
ocorre. O resveratrol já é conhecido por seu efeito cardioprotetor em pessoas
saudáveis. Na pesquisa com os animais, que foram monitorados com
eletrocardiograma, ele funcionou mesmo com o tratamento tardio, meses após a
infecção e já com complicações no coração. Já o benznidazol, ainda que atue bem
na fase aguda, para a fase crônica tem pouco efeito — acrescenta.
Antes da realização de testes clínicos com o resveratrol em
pacientes será preciso definir um esquema de administração oral eficaz e de
associações com outras substâncias. “O uso de antioxidantes em terapias tem um
histórico de dificuldades, possivelmente em função das moléculas escolhidas e
do seu tempo de permanência no organismo. No estudo, utilizamos principalmente
a administração por injeção, mas também tivemos resultados bons com um
protocolo de administração oral, que pode ser melhorado. Queremos testar o
funcionamento do resveratrol oral associado com piperina, para aumento da vida
média, como se faz em suplementos alimentares”, explicou Claudia, também à
frente da pesquisa.
Diversos estudos apontam que consumir resveratrol através
do suco de uva ou do vinho pode fazer bem ao coração de forma geral. Porém,
para garantir que a molécula tenha o efeito desejado no tratamento da
cardiopatia chagásica precisamos determinar as doses adequadas — reforça
Joseli, lembrando que devem ser avaliados também o impacto do tratamento em
estágios mais avançados da doença e a evolução do quadro após a interrupção da
terapia.
Para o atual presidente da Sociedade de Cardiologia do
Estado do Rio de Janeiro, o cardiologista Ricardo Mourilhe, no entanto, os
benefícios do resveratrol ainda não têm comprovação científica em humanos.
Até os últimos estudos, não havia nenhum benefício
comprovado com o uso do resveratrol. Todos os ensaios clínicos feitos foram
pequenos e, em geral, com animais. Quando usado em humanos, eles não resultaram
em dados reproduzidos em todos os trabalhos; alguns deram positivos, outros não
deram em nada, então, não existe evidência científica, até o momento, para a
utilização em seres humanos com o objetivo de melhoria cardiovascular — afirma.
Segundo ele, o mecanismo antioxidante relacionado ao
resveratrol, vendido como suplemento alimentar, existe a nível laboratorial (em
ação in vitro), mas seria “apenas suposição” dizer que a substância traz os
mesmos efeitos para a população.
A indústria desses produtos rejuvenescedores,
antioxidantes, tem um poder de venda muito grande, mas é baseada em trabalhos
experimentais, com casos esporádicos. O resveratrol, normalmente, não é
encontrado puro. A maioria dos trabalhos feitos com seres humanos utilizando
essa substância é misturada a outros produtos também antioxidantes e isso
enfraquece sua eficácia isolada — frisa.
Fonte: O Globo
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