
Com temperaturas que podem bater os 40 graus, um sol escaldante, um rio corta a paisagem, com suas águas cristalinas, abundantes, desenhando serpentes e praias: o Rio São Francisco. Calangos correm entre os cactus, além de aves e outras espécies, contrastando com o verde da irrigação. Basta as primeiras gotas tocarem o solo que, de tons ocres, a paisagem se transforma em verde em poucos dias. Com a ação do homem e alta tecnologia agrícola, aliando sistemas de podas, irrigação, controle e manejo, há a milagrosa transformação de um dos mais ardentes desertos em um abençoado oásis, o paraíso das frutas tropicais. Mangas, melancias, melões, coco, banana, abacaxi e, claro, lindas uvas de todos os estilos são so produtos ícones da região.
O Vale do Rio São Francisco prova que água é vida. A cidade de Petrolina/Pernambuco, juntamente com Juazeiro/Bahia são as bases comerciais e industriais. Derruba qualquer conceito de terroir, safras boas e ruins, o esperar que o tempo atue para depois pensar no vinho. O astral é muito agradável, com orla do rio cheia de bares, boa vida noturna; o vinho começa a ganhar espaço entre os nativos e turistas. Pessoas do mundo inteiros vêm estudar este fenômeno: todas estas condições climáticas permitem que uma videira produza até cinco ciclos em um período de dois anos. Conforme a programação e organização de uma fazenda, há colheitas todos os dias. Ressaltam que as melhores vêm do segundo semestre. Há uma padronização quanto a qualidade dos vinhos, são sempre muito similares, independente da colheita. Para os negócios há boa rentabilidade, pois esta grande produção diminui a ociosidade da estrutura da vinícola, gera muitos empregos. O resultado são vinhos jovens, com boa graduação alcoólica, muitos aromas frutados e perfeitos para consumo em um país tropical como o nosso, com a vantagem de economicamente serem mais baratos e muito competitivos.
As variedades que melhor se adaptaram a este sistema foram a branca Chenin Blanc e a tinta Syrah. Lá também se produz muito espumante moscatel. Grandes grupos internacionais dividem espaço com empresas familiares, sendo as principais Ouro Verde (Miolo), Rio Sol (Dão Sul - Portugal), junto as Garziera, Botticelli, Chateau Ducos e a pequenina Bianchetti. Esta última produz vinhos orgânicos, sendo a personagem do Brasil no documentário "Mondovino". Além da fascinante experiência de ver os vinhedos juntos e em vários ciclos, também é possível ver as produções de uva de mesa. Videiras carregadas de cachos enormes, perfeitos, de mais de duzentas variedades que hoje vêm sendo testadas: com ou sem sementes, com sabores específicos, rosadas, tintas, brancas, muito suculentas, carnudas. E o melhor é ver o sorriso das pessoas trabalhando em meio aos vinhedos tão lindos. Questionados, dizem que a uva os prendeu a terra, evitou o êxodo rural. Além do vinho, o rio possibilita uma gastronomia única, baseada em peixes. É também tradicional a carne de bode, sendo consumida a todo momento, por todas as classes sociais nos mais diversos lugares: restaurantes, bares da margem do rio, etc. O "Bodódromo" é o point do encontro e da festa. Passear de barco pelo rio, com eclusagem na Barragem em Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais do mundo, e chegar a fazenda Ouro Verde, da Miolo, através do "Vapor do Vinho", é a grande novidade. É a região que desperta o amor e o ódio dos apreciadores: confesso que é difícil compreender a total quebra de paradigmas e o padrão de qualidade em vinhos "standart" que é possível atingir.
Um novo sotaque ao falar de vinhos, cheio de bom humor, uma nova forma de entender a produção desta bebida, que derruba vários conceitos e transforma uma região de caatinga em fonte de riqueza e fixação do sertanejo a terra; é a diversidade do vinho do Brasil, que supera fronteiras e desenha sua personalidade nos quatro cantos do país. E, há apenas uma hora de vôo a partir de Recife; vale juntar o passeio à uma escapada a praias como Porto de Galinhas, um roteiro diferente e muito interessante.
Por Maria Amélia D. Flores
Fonte: Sabores do Sul