quinta-feira, 16 de abril de 2015

Custos de importação elevam preços de vinhos em até 150%, é pouco ou quer mais?

A carga tributária sobre os vinhos importados no Brasil está estimada em 82,25%, fora os impostos indiretos que incidem sobre salários e o selo fiscal. A informação é do advogado tributarista Carlos André Ribas de Melo, sócio de Milman e Barros Advogados.
 
Em entrevista exclusiva, o advogado, que também é membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, explica que custos como os de frete internacional, armazém alfandegário, desembaraço aduaneiro, rotulagem, selo fiscal, análises químicas e frete interno, entre outros gastos, podem majorar em até 150% os vinhos importados. Nesta entrevista, ele detalha o custo Brasil na importação de vinhos e analisa alternativas que poderiam reduzir o preço dos produtos importados nas prateleiras nacionais.
 
 
Marcelo Copello – Você pode nos explicar, passo a passo, como funciona o imposto sobre o vinho no Brasil? Quais os impostos e o percentual de cada um? No preço final de um vinho, quanto é imposto?
 
Carlos André – A tributação sobre o vinho, quando falamos de países não integrantes do Mercosul, é de 27% de Imposto de Importação, 7,60% de Cofins, ICMS médio de 26%, PIS de 1,65%, além de IPI, que é calculado com valor fixo por unidade, de acordo com a capacidade de líquido no recipiente e tipo de vinho alvo da importação, estimando-se em média que esse custo de IPI represente em média mais 20% do total. Temos assim uma carga tributária direta estimada de 82,25%, sem falar nos tributos indiretos que incidem sobre salários, prestadores de serviços, etc. Ainda há o selo fiscal, instituído em 2010, que é exigido em cada garrafa e que muitos importadores discutem em juízo.
 
MC – No Brasil o vinho paga mais imposto que a cerveja e outras bebidas? Por quê?
 
CA – Na verdade, o custo de importação da cerveja estrangeira é tão alto quanto o do vinho. E a tributação da cerveja nacional se assemelha à do vinho nacional, sendo por volta de 60%. A questão é que a política fiscal sobre as bebidas alcoólicas considera diversos fatores, como a graduação de álcool, por exemplo. Como apreciador de vinho, e por tudo que tem sido divulgado até hoje pela ciência, penso que os já comprovados efeitos benéficos do consumo moderado de vinho à saúde deveriam ser considerados nesta política fiscal.
 
MC – Além dos impostos, a burocracia para importar vinhos no Brasil é grande, o que acaba virando custo. Quais são os principais entraves burocráticos que oneram a importação?
 
CA – A importação toda tem uma complexidade grande. Os custos de frete internacional, armazém alfandegário, desembaraço aduaneiro, rotulagem na padronagem rigorosa do país, selo fiscal na garrafa, análises químicas (sempre demoradas) do Ministério da Agricultura e frete interno nas grandes distâncias do país, entre outros, podem elevar o custo total da importação para até 150%, dependendo do volume e da quantidade de carga que se está importando. Uma questão bastante sem sentido é exigir, na importação, que aquele vinho que já vem com certificado de análise química do país de origem, o que é obrigatório para ingresso no Brasil, por exigência de nossa legislação, seja novamente objeto de análise pelo Ministério da Agricultura brasileiro. De cada lote retira-se um litro de líquido (na prática, duas garrafas de 750 ml). Isso explica por que vinhos raros não são importados no Brasil, pois como de um vinho de milhares de reais vai se entregar, para análise, duas garrafas ao governo?
 
MC – Existem caminhos alternativos, dentro da lei, para evitar impostos ou burocracias? E qual seria a melhor maneira de conviver com a grande diferença entre tarifações nos estados?
 
CA – O que ocorre é que as empresas importadoras acabam tendo que se tornar experts em planejamento tributário, o que não significa recorrer a caminhos alternativos, mas sim, de acordo com o imenso arcabouço legislativo-tributário que disciplina esta atividade, fornecer ao empreendedor ferramentas que possam lhe auxiliar em, por exemplo, decidir por onde importar, por qual estado da federação ou estado trará seus produtos, fazendo essa análise de acordo com sua política de comercialização e com sua área de atuação, para verificar como serão onerado suas atividades. Isto porque o ICMS, imposto estadual, onera muito o custo do vinho e varia de estado para estado, havendo alguns com alíquotas reduzidas na importação e outros não, sem esquecer que essa alíquota reduzida inicial pode ser uma armadilha, pois na comercialização para outro estado aplica-se a chamada “substituição tributária”, gerando um recolhimento de ICMS adicional que pode chegar a 20% ou mais.
 
 
MC – Quais as dicas para quem quer começar a importar vinhos?
 
CA – Sei que isto, para qualquer empreendedor, é um clichê, mas a dica para quem quer começar a importar vinhos é: coragem, perseverança e sorte! Digo isto porque, geralmente, o novo importador é movido pela coragem de investir em um vinho que ainda não existe em nosso país e que, pelo menos neste meio, deve necessariamente tratar de algo que o importador conheça profundamente e, sobretudo, goste, a ponto de arriscar seu tempo e dinheiro em uma empreitada desta natureza. Já a perseverança diz respeito a enfrentar o que se convencionou chamar de “custo Brasil”, isto é, toda a burocracia a que qualquer empreendedor está sujeito ao abrir uma empresa em nosso país. E mais: o importador ainda enfrenta desafios adicionais, relacionados aos trâmites aduaneiros. Por, infelizmente ainda temos que creditar isto à sorte, o importador também tem riscos adicionais. Mesmo que alguns possam ser mitigados com uma boa negociação junto ao produtor, como variação cambial, outros são absolutamente imprevisíveis e, contratualmente, incapazes de proteção, como uma abrupta variação da alíquota do Imposto de Importação enquanto, em tese, por exemplo, os vinhos estão sendo transportados por via marítima. Como este imposto incide no momento do desembaraço aduaneiro do produto no país, é certo que isso por vezes tem grande impacto no posicionamento de preço no mercado, alterando seu preço de venda ou fazendo com que o importador tenha que eventualmente suportar as perdas decorrentes, sem poder repassar ao preço final.
 
MC – Hong Kong tinha impostos altos para importação de vinhos. Lá, foi feito um trabalho de redução progressiva até chegar a zero. Por conta disso, hoje este é um dos mercados de vinho mais dinâmicos do mundo, gerando uma série de negócios paralelos, como publicações, eventos, feiras, além de um comércio intenso, que aquece a economia. Este modelo, de alguma forma, poderia nos servir como exemplo?
 
CA – Sincera e humildemente falando, Hong Kong não pode servir ainda, pelo menos para nós, como referência neste e em qualquer outro tipo de assunto que envolva comércio. Lá, o valor das importações e exportações supera seu PIB, e é um Estado praticamente livre de tributos, o que me autoriza afirmar que este não é um exemplo para o Brasil, pelo menos por enquanto. Não creio que modelos de outros países venham a ser, em um futuro próximo, considerados pelos nossos poderes Executivo e Legislativo, já que o déficit público atinge níveis cada vez mais alarmantes e, no final das contas, quem suporta toda esta gastança somos nós, os contribuintes.
 
MC – Por que, ao contrário de diversos outros países, no Brasil vinho não é reconhecido como alimento? Caso venha a ser, o que mudaria com isso?
 
CA – Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Edinho Bez, do PMDB de Santa Catarina, que propõe que o vinho seja considerado alimento, por suas propriedades organolépticas e benefícios à saúde trazidos por conta dos polifenóis, sendo relevante destacar o resveratrol. Desde que, é claro, seja consumido moderadamente, o que todo amante de vinho certamente faz. Mas é importante mencionar que, em termos práticos, se fosse aprovado este projeto, o ICMS diminuiria para, em média, 7%, comparado aos 26% antes apontados. E as alíquotas de PIS e Cofins também se reduziriam a menos da metade das atuais. Isso poderia, dado o efeito cascata, até chegar ao consumidor e gerar até uns 40% de redução no preço final de comercialização do vinho na gôndola.
 
Por Marcelo Copello
Fonte: Veja Rio
Entrevista publicada originalmente na revista BACO

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