sexta-feira, 3 de junho de 2016

Sim, o vinho também pode ser falsificado

O que é que uma garrafa de vinho tem em comum com uma mala Louis Vuitton? A pergunta não é uma adivinhação, mas nos obriga a pensar! Uma delas acaba numa questão de horas, depois de aberta, a outra promete durar uma vida inteira no braço. Em última análise, ambas podem ser falsificadas. Parece estranho pensar que haja vinhos falsos a circular tanto no mercado nacional como no internacional, mas as histórias que vão surgindo na imprensa e não deixam grande margem para dúvidas.
 
A 22 de maio, por exemplo, foi notícia que seis lotes de garrafas vintage de Romanée-Conti — vinho produzido na região francesa de Côte de Nuits e considerado um dos melhores e mais caros do mundo — foram retirados à última hora de um leilão em Genebra, na Suíça. Em causa estavam as suspeitas levantadas pelo advogado norte-americano Don Cornwell — tido como o “pior pesadelo dos falsificadores de vinho” –, que escreveu no site wineberserkers.com que muitos lotes a serem leiloados eram “contrafeitos ou altamente questionáveis”. É certo que a leiloeira Bagheera Wines retirou “cinco ou seis lotes” do leilão, mas tal não impediu que, no final, fossem vendidas 1.407 garrafas por 5,6 milhões de euros.
 
Encontrar uma garrafa de vinho e reconhecê-la como sendo falsa não é uma tarefa fácil, mas foi o que aconteceu ao empresário Rui Ribeiro. Há sensivelmente três anos, o também produtor de vinhos deparou-se com um problema ao encontrar o seu vinho falsificado no mercado chinês: “Não era um vinho caro, tinha até um preço interessante para o mercado de exportação, mas era uma garrafa DOC, da região demarcada do Dão”, recorda. O caso insólito foi motivo suficiente para ir à procura de uma solução: depois da certificação, o importante agora era autentificar. Foi assim que nasceu o selo Made in Portugal Authentic (MPA) criado pela empresa Portucrown, da qual Rui Ribeiro é responsável, em parceria com a francesa Prooftag.
 
 
O selo em questão é colocado por baixo da cápsula do vinho e funciona como uma espécie de impressão digital. Tem vários níveis de segurança, incluindo a tecnologia “dispersão de fibras” — as fibras ultravioleta são incorporadas na pasta de papel para criar dispersão física, tornando impossível a recriação de padrões. Mais, cada selo é marcado em série com uma referência alfanumérica única e pode ser lido através de um código QR, o qual permite ao produtor fazer tracking da linha de produção e ao cliente acessar à ficha técnica do produto, de modo a verificar a sua autenticidade. E o que acontece se alguém tentar tirar o selo? O mesmo que a uma pulseira de um festival de verão quando se tenta descolá-la. De momento, as Caves Arcos do Rei, a Ladeira da Santa, a Herdade Monte da Ribeira e a empresa Réccua Vinhos estão entre as marcas que beneficiam desta tecnologia.
 
Operação Premium: o cerco aperta-se
 
O caso contado na primeira pessoa por Rui Ribeiro não é o único. No início de 2015,foi notícia que os vinhos mais caros no mercado nacional, Barca Velha (Sogrape) e Pêra Manca (Fundação Eugénio de Almeida), tinham sido alvo de falsificação, com a Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica (ASAE) tendo apreendido 110 garrafas contrafeitas das duas marcas no valor de 50 mil euros. Em causa estava a “Operação Premium”, iniciada em 2013. Tudo começou no aeroporto de Lisboa quando foram detetadas garrafas falsificadas entre as originais. A partir daí foi uma questão de tempo e de perícia para desenrolar o muito denso novelo.
 
“Muito recentemente [há cerca de um, dois meses] conseguimos chegar à base de produção, que era aquilo que nos faltava. Conseguimos identificar as garrafas, os rótulos falsificados e as próprias chancelas das marcas. Essa parte terminou. Agora começamos a constatar a venda digital”, conta Domingos Antunes, diretor da Unidade Nacional de Informações e Investigação Criminal da ASAE, adiantando que atualmente está em curso a “Operação Premium 2”, focada na falsificação digital. Exemplo disso é o caso do consumidor brasileiro que se apercebeu que comprara um Barca Velho falso assim que levou o vinho à boca. É que a internet permitiu também a “expansão [das falsificações] para outros territórios".
 
O motivo de quem falsifica vinho, diz Domingos Antunes, é sempre o benefício econômico. “Quem vende uma garrafa por 500, 600 euros tem um lucro de 80%.” Tal serve para explicar que o tipo de falsificação em causa implica algum investimento: “Esta não é uma falsificação grosseira. O consumidor médio não a consegue detetar… Até os próprios elementos das marcas têm alguma dificuldade, por isso é que estão a criar mecanismos de proteção.” Exemplo disso é a atuação da Sogrape que, apesar de afirmar não estar em “posição de comentar qualquer incidente” pelo fato da investigação em causa ainda estar em curso, tem vindo a criar elementos distintivos que assegurem os interesses dos consumidores, isto é, que garantam a autentificação dos seus Barca Velha:
  • “atualmente, as garrafas de Barca Velha têm o brasão da Casa Ferreirinha em relevo no vidro, dificultando assim a sua reprodução;
  • existe na rotulagem de Barca Velha um holograma que atesta e garante a autenticidade do vinho da Casa Ferreirinha;
  • todas as garrafas de Barca Velha estão numeradas, sendo por isso possível a identificação do primeiro destino de cada uma delas”.
Fonte: Observador

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