terça-feira, 27 de novembro de 2012

A personalidade das uvas autóctones

Por Carlos Arruda
 
As uvas nativas de cada região - autóctones - possuem uma história local que não pode ser descartada. A riqueza do mundo do vinho repousa nessa adaptação das plantas às condições do território e ao aprendizado dos vinicultores ao longo do tempo.
 
No mundo do vinho podemos citar duas grandes realidades, separadas pelo tempo e pelas tradições.
 
A primeira é a realidade do território: no passado, há muitos séculos, cada região usava as variedades de uvas cada vez mais adaptadas ao local, perpetuando uma tradição e um “modo de fazer” típicos, que envolvia melhor resposta ao clima, melhor produtividade e qualidade. Esta situação viria a ser consolidada (e protegida) séculos depois na forma de Denominações de Origem, as DOC.
 
A outra realidade é exatamente oposta: uvas de sucesso em algumas regiões começaram a ser levadas para outras por vinicultores criativos e desejosos de melhores resultados, numa espécie de “migração” étnica de variedades. Os maiores exemplos desse movimento são as uvas francesas de grande sucesso como a tinta Cabernet Sauvignon e a branca Chardonnay, que se tornaram internacionais e mantiveram o sucesso e a qualidade de seus vinhos em todo o mundo.
 
Um mundo perfeito? Talvez, mas com ressalvas. Essas uvas, por exemplo, produziram vinhos com personalidades ligeiramente (ou mais que isso) diferentes de suas regiões nativas, reforçando o conceito de adaptação da planta ao clima e às características do solo local, conjunto a que damos o nome de “terroir”. As videiras são plantas intimamente ligadas ao terreno por suas profundas raízes, funcionando como “tradutoras” de suas características sob o manto do clima reinante, seu “sotaque”.
 
Aproveitando essa analogia, podemos dizer que os vinhos Cabernet Sauvignon do Chile são tão diferentes de seus ascendentes franceses de Bordeaux (pátria dessa notável uva) que falam outra língua (ou dialeto), tão forte a mudança de ambiente.
 
Hoje o mundo do vinho volta às suas origens, com consumidores de todo o mundo buscando conhecer e apreciar as características de vinhos produzidos com as uvas nativas de suas regiões, também chamadas de “autóctones”. Esse movimento resgata a personalidade original de uvas plenamente adaptadas a seus “terroirs” e, portanto, mais capazes de traduzir suas características. Vejamos alguns exemplos:
 
Portugal, um país pequeno, tem grande riqueza de uvas autóctones e faz disso sua principal bandeira no mundo do vinho. Com nomes divertidos, as uvas nativas produzem vinhos de forte caráter em cada região: Baga, na Bairrada, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca, no Douro, Aragonez e Alfrocheiro no Alentejo, Alvarinho nos Vinhos Verdes, e muitos outros nomes como Rabigato, Tinta Cão, Maria Gomes, Roupeiro...
 
A Itália, terra onde nasceu a diversidade do vinho, milênios atrás, também cultiva suas particularidades típicas como a notável Sangiovese na Toscana, Nebbiolo, Barbera e Dolcetto no Piemonte, Corvina, Molinara, Veronese e Prosecco no Veneto, Aglianico, Greco, Fiano e Falanghina na Campania, Nero d’Avola na Sicilia...
 
Na França podemos citar a Cabernet Franc e a Sauvignon Blanc no Val de Loire, Chardonnay e Pinot Noir na Borgonha, Gewürztraminer e Tocai na Alsácia, Malbec em Cahors, Tannat no Madiran, Petit Manseng e Gros Manseng no Jurançon, Syrah, Grenache e Mourvèdre no Rhône e por aí vai.
 
Na Grécia os nomes são tão complicados quanto os das ilhas, mas Xinomavro, Assyrtiko e Agiorgitiko produzem no calor do Mediterrâneo vinhos de grande personalidade.
 
Na Espanha, apenas para começar podemos citar a Tempranillo, que curiosamente troca de nome entre regiões, podendo se chamar Tinto Fino, Tinta de Toro, Ull de Liebre... Os tradicionais Cavas, espumantes de grande qualidade, são produzidos com as variedades Macabeo, Parelleda e Xarel-lo.
 
Esta lista poderia crescer muito, mas prefiro convidar todos a descobrir e experimentar vinhos de uvas autóctones dos diversos países produtores, pois este é o melhor caminho para a maravilhosa diversidade de produtos disponíveis para que nós, enófilos, possamos trazer para nossa mesa e nossas reuniões um pouco da história, da cultura e dos sabores de todo o mundo.
 
Novos vinhos, novas emoções...
 
Fonte: Academia do Vinho

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