sábado, 3 de janeiro de 2015

Conheça o lugar onde vinho é mais barato que água

É fácil hoje em dia encontrar nas prateleiras de alguns dos maiores mercados da Austrália vinhos mais baratos do que água.

Você pode escolher entre uma garrafa de um pouco conhecido vinho tinto por apenas um dólar australiano (cerca de R$ 2,20) e um vinho branco muito popular que é vendido a 2,99 dólares australianos (cerca de R$ 6,50). Isso, é claro, antes de avistar um galão de 4 litros por 17 dólares australianos (aproximadamente R$ 37).
 
 
Seja qual for sua escolha, ela proporcionalmente custará menos do que uma garrafa de água de 350ml - vendida normalmente a 2,50 dólares australianos (cerca de R$ 5,50).
 
"Vinhos estão mais baratos do que uma garrafa de água", confirmou à BBC o professor Kym Anderson, do Centro de Pesquisa Econômica de Vinho de Adelaide. "E isso soa estranho, especialmente considerando que o preço inclui o imposto do atacado e do varejo", diz ele.
 
Como é possível?
 
Não é a primeira vez que esse tipo de cenário de preços é notícia na Austrália, mas hoje a situação é muito grave, de acordo com especialistas. Os preços em todas as áreas têm sido afetados por diversos fatores interligados, incluindo as taxas de câmbio recentes, a queda da demanda internacional e excesso do produto no mercado doméstico.
 
O aumento do valor do dólar australiano em relação ao dos EUA entre o início de 2011 e 2013 teve dois impactos na indústria de vinho, disse Paul Evans, diretor-executivo da Federação de Produtores de Vinho da Austrália (WFA, na sigla em inglês). "Grande parte do volume que exportamos voltou ao mercado interno quando caiu a demanda internacional por nosso vinho".
 
Neste cenário, a competição entre os produtores locais tem crescido, o que derruba mais os preços, explica Evans. "Isso também é um incentivo para as importações e, assim, vimos crescer substancialmente as vendas de vinhos importados no mercado doméstico".
 
Impostos e preços
 
Outro fator que contribui para o baixo preço dos vinhos da Austrália é o imposto sobre o álcool. Isso varia por produto.
 
"Na Austrália há um sistema em que vinho e cidra têm diferentes impostos", diz Robin Room,
pesquisador de álcool e diretor do Centro urning Point de Álcool e Drogas, em Melbourne. "Para bebidas está sendo cobrado um imposto com base no valor de venda do produto, em vez de pela quantidade de álcool que eles têm". Portanto, isso significa que, se o vinho é vendido tão barato, o imposto é muito baixo também.
 
"Aqueles que fazem um produto caro pagam um imposto maior sobre ele", explica. E isso cria uma divisão dentro da própria indústria, completa ele. Uma das funções de Room é ajudar a reduzir os problemas relacionados ao álcool na Austrália. Um aumento de impostos sobre o vinho poderia ajudar a reduzir alguns dos problemas de saúde relacionados ao álcool. "Veríamos uma diminuição de problemas de saúde realmente sérios, bem como daqueles relacionados à ordem social e violência derivados da bebida", opina.
 
Em contrapartida, Room diz que houve um aumento constante de problemas de saúde associados ao álcool. Por exemplo, "os pedidos por ambulâncias em Victoria dobraram nos últimos dez anos, e muitos episódios estão relacionados ao consumo de álcool, de acordo com números de departamentos de emergência", relata. "Também têm aumentado o número de internações por cirrose hepática".
 
No entanto, ele observa que algumas bebidas alcoólicas "sempre foram baratas" no país e, além de impostos, estabelecer um preço mínimo para esses produtos "pode ser importante na redução de problemas relacionados ao álcool".
 
O duopólio e os produtores de vinho
 
Outro fator que mantém acessível o preço dos vinhos é o duopólio de dois grandes supermercados, Woolworths e Coles. As duas empresas controlam mais de 70% de todas as vendas de vinho no varejo. A Federação de Produtores de Vinho elogia os investimentos feitos pelos supermercados na indústria, mas também aponta a necessidade de rever a situação. "Há uma diferença considerável entre o poder dos varejistas do mercado e dos produtores de vinho, o que afeta negativamente a indústria como um todo", diz Evans, da Federação de Produtores de Vinho. "Isso se reflete na margem de lucro dos produtores de uva, que cai em cascata".
 
Outros dizem que o duopólio não é tão ruim e que as grandes redes estão ajudando os produtores em um momento difícil no mercado. Um pequeno produtor de Canberra diz que alguns varejistas são realmente bons comerciantes. "Eles estão definitivamente ajudando alguns produtores (a escoar) seu excesso de oferta", diz Fergus McGhie, da vinícola Mount Majura. Segundo ele, há um debate para reduzir a produção de vinhos em 10% para conter esse excesso. "E isso é em todas as regiões. Ouvimos que todo mundo precisa retirar 10% dos seus vinhos (de circulação) para trazer as coisas de volta ao equilíbrio. Mas ninguém quer fazer isso. E eu não vou. Só aqueles que não entendem o cenário reclamam do duopólio. Esses grandes varejistas só estão vendendo vinho e estão se saindo muito bem".
 
Consumidores
 
Em geral, os baixos preços dos vinhos australianos parece aceitável para alguns produtores e uma vitória para os consumidores, que procuram uma garrafa boa e acessível por menos de US$ 10.
 
E talvez seja uma vitória também para grandes varejistas, que são vistos como salvadores por alguns produtores que precisam reduzir o seu excesso de oferta.
 
Mas e no longo prazo?
 
A federação garante que a situação não é sustentável e que está trabalhando com o governo para corrigi-la. "Atualmente estamos experimentando uma desvalorização do valor da marca que muitos enólogos australianos ajudaram a construir por muito tempo", diz Evans. "Mas eu acho que o mais importante, no longo prazo, é acabar com o mito da relação entre a qualidade do vinho e o preço que se está pagando por ele. Dessa forma, vai ser muito difícil para os consumidores voltar a um sistema de preços que tenha mais relação com a qualidade do vinho que está sendo consumido."

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