quinta-feira, 27 de junho de 2013

Degustando por números: como avaliar vinhos

Por Marcelo Copello

Definição e Origem da Crítica

Criticar qualquer coisa é examiná-la racionalmente, tentando isentar-se de influências e preconceitos, atribuindo ao objeto da análise um conceito de valor. O ser humano é crítico por natureza, pois estamos permanentemente e de várias maneiras atribuindo valor a tudo, mesmo que inconscientemente. Criticar é humano e é saudável, faz parte do livre pensar e do exercício de questionar.
 
O vinho recebe por escrito seus julgamentos de valor desde a Antigüidade. Os cronistas de Roma atribuíram grande qualidade ao vinho Opimiano da safra de 121 aC. Esse fabuloso fermentado, cujo nome é uma homenagem ao então cônsul Opimius, foi um grand cru, produzido a partir de um vinhedo único chamado Falernum, na região da Campânia (onde é hoje Nápoles) e foi consumido até seus 125 anos de idade!
 
O termo 'provador' foi designado em 1793, pelos lexicógrafos franceses como "aquele cujo ofício é provar vinhos". Vinte anos depois, a palavra 'degustar' viria a surgir nos textos franceses. O primeiro livro a tentar analisar a ciência da degustação foi provavelmente 'The History of Ancient and Modern Wines', escrito em 1824 pelo Dr. Alexander Henderson. O século XIX registrou o florescimento de uma literatura voltada para as qualidades sensoriais do vinho, sua apreciação e, conseqüentemente, avaliação. Disseminava-se então crítica de vinhos.
 
A função da crítica de vinhos
 
Criticar um vinho é degustá-lo, de preferência às cegas, sem preconceitos, seguindo padrões internacionalmente aceitos, à luz da experiência prática, atribuindolhe um conceito de valor. O bom crítico é aquele que não detém o conhecimento mas o dissemina, prestando um serviço a seu leitor, orientado-o e buscando uma capacitação crítica desse leitor, para que ele pense o vinho e desenvolva seu próprio gosto e seu próprio senso de julgamento.
 
Como os vinhos são avaliados
 
Muitas são as maneiras de se avaliar tecnicamente um vinho e de atribuir valor a ele. Existem muitos métodos didáticos, e várias fichas oficiais. Mas embora cada profissional tenha seu modus operandi, suas preferências e seus segredos, os resultados convergem para pontos em comum.
 
Fala-se sempre de como o vinho interage com os órgãos dos sentidos, no caso: olhos, nariz e boca. Sempre comparando cada vinho com todos os vinhos que já degustamos na vida. Degustar é comparar. Avaliam-se cor, aromas, sabor, tato e equilíbrio geral. Alguns degustadores atribuem notas, por exemplo, à tipicidade, à evolução do vinho na taça ao longo da degustação, e à sua perspectiva de envelhecimento em adega.
 
As maneiras de contabilizar e apresentar os resultados variam bastante. Americanos preferem escalas de 100 pontos e europeus de 20, por exemplo. Adeptos mais notórios da escala de 100 pontos são a Wine Spectator, Robert Parker. A Revista de Vinhos, de Portugal, e a inglesa Jancis Robinson são dos que preferem os 0-20 pontos. A revista inglesa Decanter optou por uma simplificação, colocado estrelas, de 0 a 5.
 
Um método didático para avaliar vinhos
 
Para que nosso leitor possa se aprimorar na arte da degustação e se familiarizar com a avaliação de vinhos, sugerimos um método didático muito utilizado no Brasil, adotado pela ABS (Associação Brasileira de Sommeliers), o método Giancarlo Bossi.
 
Vamos descrever a ficha de degustação criada por este enólogo italiano, mas antes é bom lembrar que profissionais utilizam métodos bem mais simplificados e muitas vezes não utilizam nenhum tipo de ficha. Friso que mais importante que o método ou a ficha utilizada é a experiência do degustador, que saberá usar a técnica em seu favor e não ser usado por ela, não ficando preso a muitas regras que podem ser limitantes. Para iniciantes, no entanto, métodos didáticos podem servir de guia para uma degustação mais atenta. A ficha ao final é dividida em exame 'Visual', 'Olfativo', 'Gustativo' e 'Sensações Finais'. A parte de 'reconhecimento' não recebe notas:
 
I - exame visual (16 pontos possíveis)

Reconhecimento: Incline a taça sobre um fundo branco e analise a tonalidade e a intensidade no meio (parte mais profunda) do líquido. A cor a que devemos nos referir é a cor do centro da taça inclinado. Verifique a fluidez, girando a taça sobre a mesa e vendo o tempo que o líquido leva para retornar ao repouso. Uma referência seria: muito escorregadio = água; escorregadio = a maioria dos vinhos de mesa; denso = vinhos de sobremesa, Porto, etc.; xaroposo = licores; fiadeiro = azeite.
 
Na unha (parte final e mais fina da superfície do vinho na taça inclinada) e nas bordas do líquido, note eventuais reflexos - o reflexo nos fala do passado e do futuro do vinho, da sua ex ou futura cor. Um vinho vermelho rubi com reflexos alaranjados, por exemplo, é um vermelho rubi com sinais de idade. A ponta da unha é sempre incolor, revelando o álcool do vinho. A ponta de unha é tanto maior quanto mais envelhecido é o vinho.
 
Avaliação:
 
Limpidez: procure substâncias em suspensão; veja se o líquido está limpo. Brilhantes seriam os grandes vinhos, que chamam a atenção pela grande limpidez, chegando a brilhar. Muito límpido: a maioria. Límpido: seria um Porto sem decantar por exemplo. Velado e Turvo seriam os vinhos defeituosos.
 
Para julgar a transparência, tente ler através do líquido na taça inclinada. Muito transparente: vinhos com cor branco-papel. Transparente: lê-se através, a maioria dos vinhos. Regular: oferece dificuldade para lerse através. Opaco: vinhos de cor profunda. A nota que se dá pela qualidade da cor é um quesito de gosto pessoal. Siga seus instintos.
 
II - exame olfativo (24 pontos possíveis)
 
Reconhecimento: Primeiramente, procure sentir os aromas do vinho logo que for servido, antes de examinar a cor. Você sentirá dessa maneira aromas muito voláteis e efêmeros, que não serão sentidos mais ao longo da degustação. Aromas como sulfa, cacau e café às vezes aparecem apenas no início da degustação.
 
Depois do exame visual, analise com mais calma a parte olfativa. Esse momento exige concentração. Colocando-se o nariz na parte de baixo da abertura da taça você sentirá os aromas mais pesados, que se volatizam por esta parte da taça. Colocando-se o nariz na parte de cima, você sentirá aromas mais leves. No reconhecimento, um vinho Franco é um vinho são, opondo-se ao Defeituoso. Amplo é o vinho com variedade de aromas e Nítido é o vinho com apenas um aroma que domina (nesse caso indique qual o aroma).
 
Fragrantes são os aromas primários e secundários (originários da uva, da vinificação e do amadurecimento do vinho), trata-se normalmente de um vinho jovem. Fragrantes são os aromas que abrem as papilas olfativas, o melhor exemplo é o hortelã. Etéreos são os aromas terciários, aqueles originados do envelhecimento do vinho em garrafa - aromas como couro, pelica, pele de salame etc., que contraem as papilas olfativas. Um vinho pode ser fragrante, etéreo ou estar na transição entre uma coisa e outra.
 
Frutado se refere a vinhos com aromas de frutas, Floral a vinhos com aromas de flores, Vinoso a vinhos com aroma de uva ou mosto de uvas (geralmente vinhos de baixa qualidade como os vinhos ditos de garrafão), e Vegetal a vinhos com aromas de vegetais.
 
Avaliação:
 
Na Qualidade, observe a qualidade (bom x ruim), a variedade e a originalidade dos aromas. Na Intensidade, verifique o ataque aromático da bebida, a quantidade de aroma. Na Persistência, avalie por quanto tempo a intensidade se mantém. Um método é contar o tempo que leva para o aroma se dissipar depois de inspirado. Dez segundos representam um vinho de boa persistência.
 
III - exame gustativo (60 pontos possíveis)
 
Reconhecimento: Finalmente coloque o vinho na boca, sem engolir, por enquanto. Deixe o vinho passear por sua boca, mastigue-o, verifique seu corpo, sua acidez, seu tanino, seu álcool e sua doçura. Deixe a saliva interagir com o vinho, ele esquentará e liberará mais aromas.
 
Uma experiência interessante é, fazendo um biquinho, deixe entrar ar na boca (ainda com o vinho
nela, antes de engoli-lo). Com isso, o vinho se volatizará dentro da boca de forma mais intensa e você sentirá aromas mais intensamente, normalmente aromas mais pesados, por via oral, pela comunicação interna que existe entre boca e nariz.

 
Açúcares: verificam-se na ponta da língua. A maioria dos vinhos finos é de vinhos secos. Suaves e meio-doce seriam os vinhos com alguma doçura. Doces seriam os vinhos de sobremesa, os Sauternes, Portos, etc. Licorosos, os licores.
 
Acidez: verifica-se através da salivação que provoca no final da boca, nos cantos próximos ao fim do maxilar. Mole seria um vinho carente de acidez e Áspero um vinho com excesso de acidez.
 
Álcool: é a sensação de calor, queimação e pungência na língua. Maciez: sensação de redondez que o vinho provoca. Carente seria o vinagre e Pastoso, um xarope.
 
Corpo: é o extrato seco do vinho, verifica-se na textura e consistência do vinho, mastigando- o.
 
Tanicidade: sensação de secura, aridez na língua. O oposto da acidez.
 
Avaliação:
 
Verifica-se o equilíbrio nos vinhos comparando os fatores reconhecidos, o vinho será tanto mais equilibrado quanto mais coerentes entre si forem açúcares, acidez, álcool, etc.
 
A qualidade se refere à variedade, originalidade e qualidade da avaliação do vinho na boca.
 
A intensidade se refere à quantidade, ao ataque de gosto, aroma e tato avaliado na boca.
 
A persistência se refere à manutenção da intensidade no tempo. Ao engolir do vinho conte os segundos, menos de 10 é razoável, de 10 a 15 é persistente e mais de 15 muito persistente.
IV - sensações finais
Termina bem? A sensação final que o vinho deixou foi agradável?
Deixa a boca: Fresca para vinhos brancos mais acídulos (seja coerente - veja o que você marcou no reconhecimento do vinho no exame gustativo); Enxuta para vinhos brancos menos ácidos ou tintos não muito tânicos; Limpa para vinhos neutros (pouco ácidos para brancos ou pouco tânicos para tintos) e Árida para vinhos tintos tânicos.
 
O vinho deixou alguma sensação no final da língua (região onde se percebe o amargor) após ser engolido? Chamamos de fim-de-boca e, quando aparece normalmente, é amargo. Marque então: com fundo amargo.
V - evolução

Jovem: vinhos que ainda não atingiram seu patamar de maturidade. Pronto: atingiu seu patamar de maturidade.
 
Maduro: está no fim do patamar; daqui a diante decairá. Ligeiramente envelhecido: começou a decair, demonstra os primeiros sinais de idade.

Envelhecido: já decaiu e demonstra sinais claros de idade. Decrépito: já bastante envelhecido com seqüelas dessa senilidade.
 
Fonte: Revista Adega

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