O mundo do vinho é repleto de dogmas, mas nem todos devem ser seguidos à risca. Mais do que isso, muitos deles sequer são verdadeiros.
Por Christian Burgos
O mundo do vinho é carregado de rituais. E os rituais costumam gerar dogmas,
pontos fundamentais ensinados em uma crença est abelecida ou doutrina; e, por
definição, incontestáveis. Essa falta de contestação nos coloca numa situação de
conforto intelectual e comport amental, afinal de cont as, "se essa é uma
verdade fundamental e absoluta, não tenho como errar ao seguir seu
preceito".
Isso é social e intelectualmente fundamental para darmos nossos primeiros
passos em um certo campo de conhecimento, como o vinho, por exemplo. Mas, quando
vamos tendo mais experiências, vemos que aqueles dogmas não são exatamente
verdadeiros e de maneira alguma absolutos.
Quando nos lembramos daquela segurança inicial com a qual proferíamos e
disseminávamos os dogmas essenciais, recordamos da doce ingenuidade de nossa
infância e seus mitos. Sendo assim, decidimos elencar alguns desses mitos do
mundo do vinho, que servem muito bem a nosso conhecimento e que depois são
maravilhosamente destruídos, revelando que este mundo é um eterno desvendar.
Você pode até não concordar com os pontos levantados, mas aí só está mais uma
prova de que o vinho, além de maravilhoso, é muito democrático.
MITO 1
O vinho melhora com o
tempo
Derrubar este mito é como bater em bêbado, mas vamos considerar isso um
aquecimento. Na verdade, mais de 90 % dos vinhos produzidos no mundo são feitos
para serem consumidos em até um ano após saírem das vinícolas e, depois disso,
ou não evoluirão ou ficarão piores.
MITO 2
As regiões para produzir bons vinhos estão entre os paralelos 30 e 50º (norte e sul)
Vamos lembrar nossas aulas de física e pensar que quanto mais subimos em uma
mont anha, mais frio fica. Hoje, o conhecimento científico e a prática das
plantações em altitude mostra que plantar vinhedos 100 metros mais alto equivale
a plantá-los em uma latitude 1o maior.
MITO 3
Vinhos de vinhedos em latada são inferiores
A superioridade da condução em espaldeira é incontestável como método geral,
mas, em locais onde o sol é extremo e onde "não chove", os defeitos da latada se
tornam suas virtudes. A falta de sol nos frutos e no solo - que normalmente gera
muita umidade e proliferação de fungos - serve como proteção para que o fruto
não seja queimado e danificado pelo sol. Alguns belos vinhos vindos de
verdadeiros desertos têm sua qualidade auxiliada pela plantação de seus vinhedos
em latada.
MITO 4
Vinhos brancos devem ser bebidos jovens
Em um país em que os vinhos tintos reinam absolutos, poucas pessoas têm a
felicidade de contestar este mito, ou sequer têm o interesse de fazê-lo. Sim, a
grande maioria dos vinhos brancos é elaborada para ser bebida jovem, com até
dois anos de vida. Essa é a regra geral. Mas a verdade é que alguns vinhos
brancos são verdadeiros maratonistas, aguentam um longo percurso e, mais do que
isso, ficam melhores a cada ano que passa. Grandes Borgonhas brancos (como os da
família Valette, por exemplo), grandes Rieslings (cujos aromas de evolução são
tão discutidos nesta edição), os espet aculares Tondonia e outros tão especiais
são prova disso. Podemos ir além e mat ar dois mitos em uma garrafada só, ao
dizer que é possível (e recomendado, às vezes) decantar um branco, como, por
exemplo, um jovem Coulée de Serrant 2005, que pode esperar cerca de três horas
para ser degustado em seu esplendor. Assim, vinhos brancos têm que ser bebidos
jovens e não devem ser decantados? Mito.
Beber faz mal a saúde
Dezenas de estudos realizados nos últimos 20 anos demonstraram
cientificamente os benefícios à saúde que o consumo do vinho proporciona. O
vinho é um verdadeiro elixir, que faz bem da pele ao coração, passando pelo
cérebro, pela diminuição do risco de diversos tipos de câncer e muito mais.
MITO 6
O vinho faz bem à
saúde
Os mesmos estudos que comprovaram o benefício do consumo do vinho para nosso
organismo quando bebido frequente e moderadamente (máximo de duas taças ao dia
parece ser a indicação ideal), desaconselham fortemente seu consumo acima de
quatro taças diárias; uma vez que essa quantidade aumenta o risco de várias das
mesmas doenças que ajuda a prevenir quando bebido com moderação.
MITO 7
Vinhos orgânicos e
naturais são melhores
Como todas as outras premissas, esta também está inexata. Não há duvida de
que um vinho cuja produção foi feita sem produtos químicos é melhor para a nossa
saúde, mas não é verdade que os vinhos orgânicos e naturais sejam melhores em
qualidade que seus irmãos não orgânicos.
MITO 8
Vinhos orgânicos são
mais caros porque custam mais para serem produzidos
Esta é uma verdade apenas nos primeiros anos de um vinhedo orgânico, mas, uma
vez que a vinha encontra seu equilíbrio e proteção natural, passa-se a
economizar pelo não uso de produtos químicos e menor intervenção humana na
planta.
MITO 9
Os vinhos mais caros
recebem mais cuidados e assim têm maior custo de produção
Os custos de produção sobem até um patamar, depois disso, pagamos mais pelo
que representa um determinado vinho do que por sua composição de custos. Valor
histórico, reconhecimento, escassez e outros elementos passam a influir mais no
preço do vinho que seu custo de produção.
MITO 10
Vinho bom é o vinho de que você gosta
Este é o mito dos mitos, o grande sofisma adorado pelos iniciantes do mundo
do vinho (e por muitos que não são iniciantes). "Bom, se isso é falso, por que
meus amigos que entendem muito de vinho falam isso para mim?", alguns podem
estar se perguntando. Mas, se eles dizem isso, é exatamente porque são seus
amigos, ou então porque não têm tanta intimidade com você... A verdade,
entretanto, é que se fala isso para que uma pessoa não abandone o vinho por se
sentir contestado, e tenha a oportunidade de degustar mais, aprender mais e
começar a divulgar esse sofisma para outras pessoas que estão começando no mundo
do vinho. Sim, você tem o direito de gostar do que quiser, e mais do que isso,
de tomar o que gost a. Mas esse fato não faz com que o vinho que você gosta seja
tecnicamente melhor do que o que você não gosta. Nosso conselho: não se feche em
dogmas e esteja aberto a assumir que sempre temos a evoluir em capacidade de
degustar e conhecer coisas novas.
Fonte: Revista Adega
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